sexta-feira, 29 de maio de 2009

Sanshin no Hana - Flores de Sanshin






A província de Okinawa, no Japão, é berço de vários artistas de renome, principalmente na música. A veia artística dos uchinanchu (okinawanos) se reflete no seu cotidiano, seja em Uchina (Okinawa, em dialeto uchinaguchi), ou em outras terras, como o Brasil. Vasculhando minhas raízes, encontrei uma banda surpreendente, chamada Begin (foto à esquerda). Pelas fotos do grupo, fiquei meio ressabiado. O vocalista tocando sanshin (instrumento de três cordas - ver foto abaixo) e um chapeuzinho meio estranho.

Mas fui além do preconceito inicial e procurei me informar melhor e ver mais músicas de sua autoria e performance no youtube. A que mais em chamou atenção foi a música "Sanshin no Hana". Letra e melodia perfeitas, parecem caídas do céu, de tão harmoniosas e serenas. Faz parte da trilha sonora do filme japonês "Nada sou sou", ainda não lançado no Brasil. E que, provavelmente, não será, infelizmente.


Confira o vídeo no youtube:

http://www.youtube.com/watch?v=4iB_lRt8DyA


Letra


Sanshin no Hana

Itsushika wasurerareta oji katami no sanshin
Toko no made tanjo iwai no shimazake ni
motarete
Hokori wo tubide nadete yurunda ito makeba
Taikutsu de tamaranakatta shima uta ga hibiita

Azayaka ni yomigaeru anata to sugoshita
hibiwa
Yawarakana itoshi sade kono mune wo tsuki
yaburi
Saita no wa sanshin no hana

Terebi no naname mukaino
Anata ga ita basho ni
Suwareba arumino madokara yuu zuki ga
noboru
Kazoku wo nagame nagara
Nomu sake wa donna aji
Nemuri ni tsuku mae no
Uta wa dareno uta

Yorokobi mo kanashimi mo
Itsuno hika utaerunara
Kono shima no tsuchi no naka
Aki ni naki fuyu ni tae
Haru ni saku sanshin no hana

Kono sora mo ano umi mo
Nanimo katariwa shinai
Kono shima ni atakana
Kaze to nari ame wo yobi
Saita no wa sanshin no hana
Aki ni naki fuyu ni tae
Haru ni saku sanshin no hana



Flor de 'Sanshin"


O 'sanshin' que ganhei de lembrança do meu avô
Esquecido num canto, ainda traz o sabor do
saquê das festas de aniversário
Limpo a poeira com os dedos e estico as cordas
frouxas pelo tempo
Para fazer soar a música da ilha que preenche
minha solidão

Relembro claramente os dias em que passei ao
seu lado
E da ternura tamanha que fazia explodir o peito
Onde brotavam as flores de 'sanshin'

Eu me sento no seu lugar, quase em frente à TV
E observo a lua surgir do outro lado da janela de alumínio
Qual o sabor do saquê que tomava com a minha família?
De quem era a música que eu ouvia antes de adormecer?

Se um dia eu conseguir cantar a alegria e a tristeza
Enterrada nessa iliha, chorando no outono,
resistindo no inverno
Na primavera, quando brotam as flores de 'sanshin'

Nem este céu, nem aquele mar parecem ter mudado
O calor do vento continua a chamar a chuva para esta ilha
Onde brotavam as flores de 'sanshin'
Chorando no outono, resistindo no inverno
Na primavera, quando brotam as flores de 'sanshin'


quarta-feira, 27 de maio de 2009

Papai Noel e os punks da periferia


Pelos idos dos anos 80, o punk brasileiro exercia uma força de atração arrebatadora na juventude. Foi nesta época que ganharam notoriedade, nos circuitos underground, bandas como Ratos de Porão, Cólera, Inocentes, Replicantres, Olho Seco, entre outras. Uma delas teve a ousadia de atacar furiosamente o símbolo maior de bondade e subserviência, do mais signicativo feriado ocidental. Para quem não se lembra, os autores da empreitada foram os integrantes do conjunto Garotos Podres, armados com sua música Papai Noel Velho Batuta.
O instrumental tosco e vocal berrado são as características do grupo punk formado em 1984, na periferia do ABC paulista. Suas letras de crítica à sociedade ganharam paulatinamente a admiração de muitos que, de uma forma ou outra, se identificavam com as críticas sociais que atacavam diretamente o âmago e a hipocrisia da sociedade moderna.
Os garotos podres falavam de tudo e um pouco mais. Portanto, o maior ícone do Natal, o Papai Noel, não poderia escapar impune. Veiculada no primeiro LP do grupo, "Mais podres do que nunca", de 1985, esta música causou indignação nos setores mais conservadores e o deleite dos fãs do rock pesado, em geral.
O refrão ("Presenteia os ricos. Cospe nos pobres"), com certeza, mostra a preocupação social da banda com relação a desigualdade social. Frase simples, que diz tudo, segundo as ideologias anarco-comunistas. Na periferia, sem asfalto nem saneamento básico, a criançada aguarda debaixo das cobertas carcomidas a visita do bom velhinho. Mas ele não aparece, vai à casa dos coleguinhas que têm carro importado na garagem.
Mais outra: por que, no Brasil - um País ensolarado - há representação de árvores de Natal com pinheiros típicos do hemisfério norte e alegorias de neve, em pleno verão? E o que tem a ver o bom velhinho, tipicamente europeu com roupas para enfrentar o inverno polar, com nosso paraíso tropical, habitado por pardos, mulatos, mestiços, em geral, e outras etnias? Algo mais para se pensar.
Esta crítica marcante - presente em faixas, como "Não Devemos Temer (Os que Detêm o Poder)" e "Liberdade (Onde Está?), e demais trabalhos do grupo, como "Pior que Antes (1988) e "Canções para Ninar" (1993) - se notabiliza no relato da opressão das classes trabalhadoras pelas elites, com a conivência dos governantes.
Ao contrário das acusações elitistas, os garotos podres não são ignorantes energizados por hormônios, sentimentos patológicos de eterna rebeldia e outros artifícios. Só para se ter uma idéia o vocalista Mau está concluindo doutorado em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP).Seu último trabalho, que estreou em novembro deste ano pela Paradoxx, chama-se "Com a corda toda". Há uma faixa intitulada "Ditador". Notou alguma semelhança? Esqueça de Hitler ou Mussolini, o personagem está bem aqui nas terras verde-amarelas e gosta de viajar para o exterior. E, infelizmente, não é o Papai Noel.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Ética, política e razoabilidade

As pessoas têm duas faculdades morais. A primeira é a de perseguir para si os bens que satisfarão suas necessidades, sejam elas essenciais ou não. A segunda é a de ter uma noção de justiça. Com estas colocações, o filósofo político John Rawls delimita claramente as esferas privada e pública, denominando-as, respectivamente, de “racional” e “razoável”. Tanto uma pessoa física quanto uma pessoa jurídica são “racionais” quando buscam os bens (materiais ou imateriais) que lhes vão saciar os desejos. Entretanto, o “racional” ao extremo converte-se num psicopata, uma máquina obcecada em perseguir ilimitadamente aquilo que anseia, sem se deter diante de quaisquer obstáculos, como consideração pelos “outros”.
Daí, o papel do “razoável”, ou seja, a faculdade moral do homem que lhe dá a dimensão de inserção como igual no mundo público. É nesta esfera em que cada um se dispõe a elaborar e aceitar as normas e regras de convívio conforme termos eqüitativos de cooperação, segundo o contratualismo de Rawls. No âmbito público, então, as decisões devem ser consensuais, firmadas numa instância “razoável” de deliberação, permitindo uma estrutura básica (instituições e ordenamento jurídico) que garanta a cada um ter seu “plano racional de vida”. Nesta perspectiva, o “justo” precede o “bem”, ou seja, a ética situa-se no campo deontológico, em vez do teleológico (como uma ética de caráter religioso, por exemplo), reafirmando a assertiva kantiana de que a disponibilidade de agir em respeito à lei moral é a única coisa incondicionalmente boa.
Numa sociedade plural, com variadas concepções de “bem”, seria praticamente violentar a autonomia do indivíduo impor-lhe uma única e singular concepção de “bem” (como o caso de uma ética teleológica). Não se deve apontar normas e decisões como inquestionáveis (verdades absolutas), mas como “razoáveis” – aquelas que indicarão formas de convivência que respeitem os indivíduos em igualdade de condições e, ao mesmo tempo, preservem a coletividade.
As “verdades absolutas”, geralmente reservadas para as religiões e entidades que as sustentam num plano metafísico, são dogmáticas e rechaçam as demais visões divergentes. Do ponto de vista político, que admitiria a pluralidade religiosa, não seria aconselhável a adoção de “verdades absolutas”, devido à própria dinâmica da sociedade, cujos valores e necessidades se transformam com uma velocidade espantosa, principalmente com a revolução das tecnologias da informação.
Percebe-se, porém, que alguns partidos políticos comportam-se como “religiões civis”, ou seja, impõem suas considerações como “verdades absolutas”. A imposição de um “fim último” (ou “telos”) - como a ideologia única de um só partido (socialista ou liberal, entre outros), por exemplo - é danosa aos direitos inalienáveis do ser humano, que não deveriam estar sujeitos ao bel prazer dos interesses políticos.
Os partidos políticos são “racionais”, perseguem aquilo que lhes é o “bem”, para si, e acirram a competitividade destrutiva, se não houver limites “razoáveis”. Daí, verifica-se a necessidade de se realizar pactos para que, na luta pelo poder, os partidos políticos não destruam a si mesmos e a sociedade. Novamente, requer-se o “razoável”, o caráter público das suas faculdades morais.
A tolerância é salutar neste processo, porque admite que haja um pluralismo de doutrinas, morais e religiões com traços em comum. A intersecção das características compatíveis das ideologias dos partidos é o ponto de partida para o levantamento dos problemas relacionados à estrutura básica de uma sociedade, assim como a sua resolução “razoável”. Apontar os problemas sem indicar-lhes as devidas soluções e depositar a culpa em bodes expiatórios (governo, burguesia, proletariado ou, até mesmo, entidades sobrenaturais, pasmem) é uma amostra de irracionalidade e demagogia.
O partido político que se auto-declara portador exclusivo da ética é, por isso mesmo, imoral porque reduz o campo de atuação das vozes discordantes, atirando-as fora da dimensão política. Neste espectro da intolerância – aliás, um passo para o emprego da violência -, abre-se margem para um regime ditatorial, já que, ao monopolizar a ética, justifica arbitrariamente o esmagamento dos direitos, liberdades e garantias daqueles que não aceitam a sua “verdade absoluta”.
Às portas do século XXI, velhos conceitos devem ser repensados dialeticamente, renovando as políticas públicas, tal como as relações entre o individual e o coletivo, para não se cometer novamente aberrações como o nazismo, o neoliberalismo selvagem e, em termos, a ditadura soviética. Rotular-se como comunista, ou socialista, não é atestado de permissão para atitudes maniqueístas, características de adolescentes (ou, se preferir, “chiliques teens”, aliás, tipicamente burgueses), no exercício político. Por outro lado, ser liberal não quer dizer conservadorismo, tradicionalismo no último grau , recusa total ao novo, ou, muito menos, liberou geral. Daí, a necessidade de uma conjunção dialética de todas as visões, pondo fim aos embates – como o de apontar a supremacia ora da igualdade (segundo a esquerda), ora da liberdade (conforme a direita) – para caminhar harmonicamente rumo ao desenvolvimento.
Existem pontos de conciliação, sempre abertos a melhores ajustes. E diante dos mesmos, nunca se deve falar em política como a arte da negociação (definição neoliberal) porque, assim, considera-se os agentes políticos como objetos, em vez de pessoas, sujeitos ao resultado de uma barganha. Numa concepção marxista, política é a guerra (de interesses, classes, etc.) continuada por outros meios. Contudo, a guerra (no sentido de divergência) deve desenrolar-se dialeticamente até o consenso, abrindo caminho para o entendimento “razoável” e, conseqüentemente, à paz – quesitos para a formulação de juízos ponderados que conduzirão às políticas públicas mais justas ao atual paradigma de flexibilidade e pluralidade ideológica de uma democracia moderna, havendo ainda possibilidade de revê-las ou redefini-las a qualquer momento, se for o caso. Certo ou errado, cara-pálida?

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O imaginário da massa

O público e o privado são duas esferas diferentes, por vezes tortuosas, que se entremeiam e se confundem. No entanto, uma não deve sobressair-se à outra, pois cada qual alinha-se a seu respectivo universo. Todos circulamos por ambas as esferas, que limitam uma intersecção entre o público e o privado de uma pessoa. Quer dizer, algumas coisas de domínio privado podem vir a público e vice-versa.

Nesse tormento de informações, podem haver distorções dos limites entre o público e o privado. Por exemplo, numa roda de conversas, surge um assunto relativo a uma pessoa (que pode não estar presente). O grupo faz um apanhado das características dessa pessoa para dar continuidade ao falatório. Quando se esgota o repertório, parte-se para a especulação.

A partir de então, age a imaginação segundo os ditames do ideário coletivo, que elabora outras características adicionais à pessoa escolhida como alvo, enquadrando-a num estereótipo. Esses mecanismos, peculiares aos boatos e fofocas, também são a base dos preconceitos.

A prerrogativa dos estereótipos e preconceitos é o erro, aquilo que é concebido falsamente na mente de alguém sobre algo ou pessoa. Não importa a verdade, pois ela não satisfaz a necessidade que os indivíduos aglutinados têm de se manifestar, nestas circunstâncias. A massa, então, pratica um tipo de controle social, que inibe a produção e reprodução de novos padrões de comportamento. Aquele tido como diferente ou divergente do grupo é rechaçado por meio da intriga, da falação ou das retaliações coletivas.

Esta forma de comportamento já foi denominada de elemento coercitivo de constrangimento. Por isso, é difícil quebrar paradigmas, mesmo que estes representem idéias melhores que aquelas apresentadas pela estrutura vigente. O falatório, a difamação geral e o escárnio fazem com que a pessoa fonte da idéia original seja reprimida, sem sequer se dar ouvidos à viabilidade de seus pensamentos.

Muitas vezes, o ser humano é invejoso e mesquinho, não suportando vislumbrar alguém ou algo aquém de suas capacidades. A acomodação com relação aos seus limites individuais guia-o para a retaliação do outro que traz novidades. Contudo, a persistência é a palavra-chave rumo à excelência. A repressão, mesmo que em sua forma mais popular – a fofoca -, deve ser revista, sob a pena de transformar-se num movimento incontrolável de massas, cujo objetivo mais fremente é a pura e simples destruição.

O anseio das massas, em primeira instância, é liberar o que está reprimido. A coletividade desordenada desperta os desejos mais profundos da personalidade. Nem tudo se desenrola da maneira que desejamos e nem todos pensam da mesma maneira que nós o fazemos. Na maioria das vezes, o que realizamos por acreditarmos que aquilo ajudará a construir um mundo melhor não é reconhecido. Por mais correta que seja uma pessoa, sempre haverá alguém para atirar estrume na sua reputação.

E como fica a verdade nisso tudo? De instrumento de verificação do real, a verdade travestida converte-se num poderoso narcótico que traz conforto às pessoas. O que interessa é apedrejar, juntar-se à multidão. Este é o substrato que faz com que as fofocas e os boatos proliferem rapidamente.

Da conversão das pessoas numa massa desprovida de crítica, provém uma sensação primal e desordenada de poder. Mas na verdade, este estado de massa as torna mais vulneráveis à manipulação dos meios de comunicação ou dos “líderes carismáticos”, que apresentam a si mesmos como salvadores de pátria. Cabe a cada um descobrir se é ou não manipulado e quais são as circunstâncias em que este fenômeno ocorre. A partir daí, se pode encontrar um conceito de liberdade vinculado ao de consciência, para a formulação crítica das escolhas.

sábado, 23 de maio de 2009

ENTRE LIBERDADE E NECESSIDADE: A RESPONSABILIDADE MORAL

ENTRE LIBERDADE E NECESSIDADE: A RESPONSABILIDADE MORAL[i]



PROF. MS. ROGER MOKO YABIKU
[ii]



I – INTRODUÇÃO


O que seria responsabilidade moral? Responsabilidade, em termos gerais, significa que alguma pessoa deve prestar contas por determinadas ações, atitudes, consequências e resultados, mediante algumas condições. Por exemplo, os pais são responsáveis pelos filhos menores de idade, tanto em termos morais, quanto jurídicos. Mas até que ponto os pais são responsáveis pelos atos dos filhos menores?
Esse dilema moral e jurídico acerca da responsabilidade moral traz à tona dois assuntos que lhes são vinculados: a necessidade e a liberdade. Só quando o agente possui liberdade de optar e decidir é que se pode falar em responsabilidade moral.
O assunto, porém, não é tão simples quanto parece. Não basta o exame somente da norma (moral ou jurídica). Faz-se necessária a avaliação da realidade concreta, a fim de verificar se existe possibilidade de escolha ou decisão, para que se possa responsabilizar moralmente alguém.
Isso causa dúvidas com relação a como se imputar a responsabilidade moral. Para que haja responsabilidade moral, há duas condições essenciais: “a-) que o sujeito não ignore nem as circunstâncias nem as consequências da sua ação; ou seja, que o seu comportamento tenha caráter consciente. b-) que a causa dos seus atos esteja nele próprio (ou causa interior), e não em outro agente (ou causa exterior) que o force a agir de certa maneira, contrariando a sua vontade; ou seja, que a sua conduta seja livre.” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2004, p. 110)
Nessa perspectiva, a pessoa se exime de responsabilidade moral se for ignorante, de uma parte, e não estiver livre, de outra. Há legitimidade na responsabilidade moral se houver conhecimento por parte do agente e liberdade.

II – IGNORÂNCIA, COAÇÃO EXTERNA E INTERNA

Como responsabilizar uma pessoa com problemas mentais sérios? Agora, uma pequena analogia com o Direito. Não há como, tanto que no Direito Civil, as pessoas com esse tipo de necessidade especial são tidas como absolutamente incapazes, ou seja, totalmente inaptas para os atos da vida civil. E, no Direito Penal, são tidas como inimputáveis, ou seja, isentos de responsabilidade penal. Por exemplo, no âmbito civil, se uma pessoa totalmente insana assina um contrato, sem algum representante legal presente, esse contrato será nulo. A vontade da pessoa totalmente insana é viciada e não tem responsabilidade civil. Na esfera penal, se uma pessoa totalmente insana ou menor de 18 anos comete um crime, ela não será processada criminalmente, porque é inimputável, ou seja, não tem responsabilidade penal.
Só se pode responsabilizar moralmente um ser humano que pode escolher, decidir e agir de maneira consciente. Ou seja, quem é ignorante, em sentido amplo
[iii], não pode ser responsabilizado. Mas até que ponto a ignorância exime o sujeito de responsabildade? Exime-o de responsabilidade desde que esse mesmo sujeito não seja responsável pela causa da sua ignorância. Outra comparação com o Direito. Fala-se em culpa em sentido amplo, que abrange culpa em sentido estrito e dolo. No dolo há intenção de se praticar uma ação. Na culpa em sentido estrito não há necessariamente uma vontade de se praticar uma ação, seria o “foi sem querer, querendo”, como diria o personagem Chaves.
Há três modalidades de culpa em sentido estrito: imperícia (faz as coisas de modo incorreto), imprudência (faz o que não deveria fazer) e negligência (não faz o que deveria fazer). Nesse caso, o agente poderia ter evitado de ter feito algo, ou poderia ter feito, mas não fez. Há responsabilidade jurídica, e também responsabilidade moral. “Em resumo: a ignorância das circunstâncias, da natureza ou das consequências dos atos humanos autoriza a eximir um indivíduo da sua responsabilidade pessoal, mas essa isenção estará justificada somente quando, por sua vez, o indivíduo em questão não for responsável pela sua ignorância; ou seja, quando se encontra na impossibilidade subjetiva (por motivos pessoais) ou objetiva (por motivos históricos) de ser consciente do seu ato pessoal.” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, p. 113)
Para se falar em responsabilidade moral, também é preciso que a causa do ato de uma pessoa provenha de sua vontade livre, isto é, venha de dentro dela mesma, e não de fora, de alguém que o force a fazer algum ato. Ou seja, não pode haver coação externa (pressão – seja física ou psicológica - de fora, ou de algum fenômeno da natureza, por exemplo). Assim, se houver um acidente causado por motivo de força maior ou caso fortuito, a pessoa está isenta de responsabilidade moral. Se for forçada por outra pessoa a fazer algo que conscientemente não concorda e não faria se não fosse coagida, também é isenta da responsabilidade moral. Contudo, mesmo com coação externa, há vezes em que o agente tem possibilidade de escolher. Aí, pode ser responsabilizado moralmente.


III – RESPONSABILIDADE MORAL, NECESSIDADE E LIBERDADE
[iv]


Como se viu anteriormente, se o agente não tem liberdade de escolha ou decisão, não há como se falar em responsabilidade moral. Se tudo é determinado pelas necessidades humanas, não há liberdade e, dessa forma, não há de se falar em responsabilidade moral. Porém, esse assunto (a dialética entre a liberdade e a necessidade) é polêmico. Ao exame de três posições: “1º - Se o comportamento do homem é determinado, não tem sentido falar em liberdade e, portanto, em responsabilidade moral. O determinismo é incompatível com a liberdade. 2º - Se o comportamento do homem é determinado, trata-se somente de uma determinação do eu, e nisto consiste a sua liberdade. A liberdade é incompatível com qualquer determinação externa ao sujeito (da natureza ou da sociedade). 3º - Se o comportamento do homem é determinado, esta determinação, longe de impedir a liberdade, é a condição necessária da liberdade. Liberdade e necessidade se conciliam.” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, p. 120)
Examina-se, a seguir, essas três posições: o determinismo, o libertarismo e a dialética entre a liberdade e a necessidade.


IV – O DETERMINISMO ABSOLUTO


Tudo tem uma causa. Este é o princípio do determinismo absoluto. O método científico e o positivismo influenciaram deveras a maneira de se pensar no Ocidente. Os fenômenos poderiam ser observados e e confirmados cientificamente, principalmente na física, na química e na biologia. Essa metodologia das ciências físicas, químicas e biológicas – de maior exatidão, precisão e certeza – serviu de alicerce para o processo de constituição das ditas ciências humanas, como o Direito e a Ética.
Se tudo é causado, não há espaço para a liberdade. A livre escolha nada mais seria que uma ilusão. O determinismo absoluto recusa a existência da liberdade. Essa doutrina representada principalmente pelos materialistas franceses do século XVIII, como o barão d’Holbach, versa que os atos humanos são tão somente elos de uma cadeia universal, na qual o passado determina o presente. Se o passado determina o presente, numa cadeia de acontecimentos, não há como se admitir liberdade de escolha, muito menos intervenção livre do homem. Se tudo é causado, não existe liberdade humana e, por conseguinte, não há responsabilidade moral.
No entanto, ao tomar consciência dessas circunstâncias o ser humano pode decidir atuar de determinada maneira, mesmo diante de alternativas de escolhas que lhe são postas, e não escolhidas por ele mesmo. “Por ser dotado de consciência, pode conhecer a causalidade que o determina e atuar conscientemente, transformando-se assim num fator causal determinante. Assim, o homem deixa de ser um mero efeito para ser uma causa consciente de si mesmo e inserir-se conscientemente na trama causal universal.” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, p. 122)


V – O LIBERTARISMO

No sentido contrário do determinismo absoluto, há a corrente libertarista. Para o libertarismo, ser livre é poder decidir, escolher e operar como se quer. O homem poderia fazer as coisas de modo diferente do que fez, se assim o quisesse e decidisse. Isso contradiz a doutrina citada anteriormente de que tudo está determinado causalmente. A liberdade não poderia ser destruída, ou refutada, pela tese da causalidade, de que as ações humanas seriam determinadas por fora (meio ambiente, por exemplo), ou pelo seu interior (desejos, motivos ou caráter). “E, embora se admita que o homem esteja sujeito a uma determinação causal – por ser parte da natureza e viver em sociedade -, acredita-se que exista uma esfera do comportamento humano – e muito especialmente a moral – na qual é absolutamente livre; isto é, livre a respeito da determinação dos fatores sociais.” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, p. 124)
O libertarismo rompe com o princípio da causalidade (tudo é determinado), pois ser livre é ser incausado. E para essa autodeterminação ser pura é preciso também eliminar as causalidades no âmbito interno da pessoa, para que se possa ter liberdade genuína.
No entanto, essa doutrina também tem falhas, pois não consegue ser completa, assim como o determinismo absoluto não o é. A liberdade também pressupõe a necessidade causal, por dizer que tudo é possível, e se tudo é possível, não teria sentido falar em responsabilidade moral, pois as decisões e atos dos indivíduos seriam resultados do acaso.


VI – A DIALÉTICA ENTRE LIBERDADE E NECESSIDADE


Diante do dilema exposto, conclui-se que liberdade e causalidade não podem se excluir reciprocamente. Para haver reponsabilidade moral é preciso que o ser humano seja livre na escolha e na decisão, de modo a intervir conscientemente na sua realização. No entanto, para que se decida e escolha com conhecimento de causa é preciso que o comportamento se ache determinado causalmente. Há três posições interessantes a esse respeito, a de Burach de Spinoza, a de Georg Wilhelm Hegel e a de Karl Marx e Friedrich Engels.
Segundo o holandês Spinoza, o mundo exterior provoca no ser humano um estado psíquico chamado de “paixão” ou “afeto”. O homem estaria inserto na naturea e sujeito às suas leis da necessidade universal, não podendo escapar delas de modo algum. Se o homem é regido pelas paixões e afetos causados por motivos externos, ele não é livre, mas escravo. Entretanto, se o ser humano está sujeito à necessidade universal, como poderia ser livre? Para Spinoza, a liberdade seria ter consciência da necessidade e compreender tudo o que se passa. O homem livre seria diferente do escravo porque este não compreenderia a necessidade, estando-lhe cegamente sujeito. “Ser livre, portanto, é elevar-se da sujeição cega e espontânea à necessidade – própria do escravo – para a consciência desta; e, nesta base, para uma sujeição consciente. A liberdade humana reside, então, no conhecimento da necessidade objetiva.” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, p. 128)
A solução de Spinoza não é prática, vislumbra um mundo imaterial, na qual não se exige ação transformadora da realidade. O alemão Georg Wilhelm Hegel dá um passo a frente de Spinoza. Hegel diz que a liberdade é a necessidade conhecida, e relaciona isso com a história. A liberdade, para Hegel, é dividida em graus e no conhecimento da necessidade, conforme o estado histórico em que se encontra o espírito. “Vemos assim que para Hegel – como para Spinoza – a liberdade é um assunto teórico, ou da consciência, ainda que a sua teoria da liberdade se enriqueça ao colocar esta última em relação com a história e ao ver a sua conquista como um progresso ascencional histórico (a história é ‘progresso na liberdade’). (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, p. 129)
Os alemães Marx e Engels concordam com Spinoza e Hegel, num primeiro momento. Ademais, apesar de a liberdade ser a consciência histórica da necessidade, há necessidade de examinar isso sob o prisma do materialismo. A conceituação de Hegel transformava o homem de escravo inconsciente (sem noção) a escravo consciente. A liberdade, para Marx e Engels, consistiria num poder de domínio sobre a natureza e sobre a própria natureza humana. Liberdade não seria uma assunto meramente teórico, mas prático, pois o ser humano é transformador e criador e, com isso, transcende o mundo natural, remodelando-o conforme sua vontade. E isso também implica no conhecimento da sua necessidade, sem o qual não haveria liberdade. Esses níveis de conhecimento por parte dos seres humanos se dá por etapas históricas, porém, por relações materiais e não meramente abstratas. Assim, os contrários se conciliam dialeticamente.


VII – BIBLIOGRAFIA

SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Ética. 25. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. p. 109-132.


ANEXO I


Decisão proferida pelo juiz Rafael Gonçalves de Paula nos autos nº 124/03 - 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO:
DECISÃO
Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.
Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional).
Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.
Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário.
Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de
Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia.
Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo?
Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.
Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.
Simplesmente mandarei soltar os indiciados.
Quem quiser que escolha o motivo.
Expeçam-se os alvarás. Intimem-se
Palmas - TO, 05 de setembro de 2003.
Rafael Gonçalves de Paula
Juiz de Direito

___________________________________________________________________________

[i] Apostila da disciplina “Ética I” elaborada para o curso de Tecnologia em Comércio Exterior do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (Ceunsp), baseada no capítulo V – “Responsabilidade moral, determinismo e liberdade”, do livro Ética, de Adolfo Sánchez Vázquez. Este texto não possui maiores pretensões acadêmias, muito menos está acabado para fins de publicação. Trata-se apenas de um recurso pedagógico.
[ii] Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo, bacharel em Direito, formado pelo Programa Especial de Formação Pedagógica de Professores de Filosofia, especialista (MBA) em Comércio Exterior, especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal e mestre em Filosofia Ética. Visite: http://treeofhopes.blogspot.com
[iii] Incluir-se-á a coação interna como um tipo de ignorância. Por se entender que loucura total, por exemplo, uma coação interna seja um tipo de ignorância em sentido amplo.
[iv] Ler Anexo I.

7º Senaed


De 23 a 31 de maio ocorre o 7º Seminário Nacional da Associação Brasileira de Educação à Distância (Abed). As atividades ocorrem todas em ambiente virtual, com cobertura da Web Rádio Abed (http://webradioabed.blogspot.com)

Os interessados podem acompanhar o seminário pelo link http://www.joaomattar.com/7senaed/index.php?title=P%C3%A1gina_principal

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Paradoxos da tecnologia

O conjunto dos conhecimentos que sistematizam a atividade humana para certas finalidades é conhecido como tecnologia. É um impulso da criatividade do homem, organizado racionalmente, para otimizar a produção e atingir seus objetivos com a maior eficácia possível. Nota-se a sua presença e evolução desde os rudimentares instrumentos de caça dos trogloditas aos sofisticados microchips dos notebooks dos executivos de empresas multinacionais.
Cada período histórico é caracterizado pelo emprego particular de algumas tecnologias. A revolução industrial, ocorrida na Europa dos séculos XVIII e XIX, foi estimulada pelo progresso das máquinas, tanto as têxteis quanto as movidas a vapor - uma nova tecnologia que impulsionou os transportes daquela época.
Essas máquinas, símbolos do novo desenvolvimento tecnológico de então, também significavam uma nova organização da sociedade, arraigando as bases do sistema capitalista industrial.
Com esse paradigma já incorporado pela modernidade, hoje se passa por uma outra revolução industrial, a das tecnologias da informação. As máquinas são corriqueiras no cotidiano, portanto, o elemento que confere o poder é a informação: dos aspectos administrativos da burocracia estatal e das empresas privadas; dos procedimentos operacionais das máquinas e dos seus formalismos; e dos novos códigos veiculados pelos novos mídia, como a internet.
A revolução das tecnologias da informação foi fundamental para o atual estágio de globalização financeira, pois aproximou mercados e agilizou as transações de negócios. Contudo, o não acesso a essa tecnologia forma um grupo de excluídos da sociedade da informação. Paradoxalmente, ela inclui e exclui ao mesmo tempo.
Na primeira questão, inclui o internauta – aquele equipado com um computador, seja dele, da empresa ou de conhecidos – numa sociedade virtual cosmopolita. A exclusão, alentada na segunda hipótese, é reflexo da concentração de renda que seqüestra os benefícios da modernidade para uma parcela diminuta da população.
Sendo assim, o que falar da grande maioria, moradora da periferia, que assiste os programas da televisão aberta e nunca ficou diante de um monitor de computador na vida? Essa mesma tecnologia, que congrega os mercados e as empresas, poliniza a indiferença ao semelhante.
No mundo inodoro da Internet, a pobreza, a fome e a violência são matéria-prima pasteurizada em forma de conteúdo sob encomenda para os sites, atendendo as expectativas dos consumidores da informação. No outro viés, na rua enlameada pela falta de asfalto, com iluminação ausente, há pessoas que se informam pelos meios de comunicação de massa tradicionais e pelo ensino público, deveras abandonado.
Caso não sejam aprimoradas políticas públicas que melhorem a formação intelectual e o acesso à tecnologia da informação, a exclusão social se fará cada vez mais gritante, pois haverá negação sumária do aprimoramento das capacidades de bilhões de miseráveis.
Tal como é distribuída e controlada, a tecnologia da informação une – não fisicamente, mas virtualmente – a minoria favorecida dos países, burlando as fronteiras físicas, para criar um novo universo semiótico pautado no distanciamento do mundo real. Confinados nos quartos e nos escritórios, os burocratas da sociedade informatizada tomam decisões que influem decisivamente nas vidas dos excluídos, cuja subserviência tem origem no não-acesso à informação. Impregnada pelo virtual e pelo indiferente, surge uma estrutura de administração com ponto de partida “naquilo que se imagina ser” – que não é necessariamente uma percepção racional – para moldar “aquilo que, de fato, é”. Tais discrepâncias, entre o que se imagina e o que realmente é, podem causar sérios prejuízos nos destinos de uma nação. E quem é que vai pagar por isso?

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Imperialismo cultural

A gente se acostuma tanto a ouvir o inglês - o novo latim, ou seja, a língua universal e inquestionável – que não presta mais atenção nos outros idiomas e acha até chique usar palavras com trejeitos do Tio Sam। Apesar de ser um ponto convergente nesta Babel pós-moderna, de pluralidade de ideologias, religiões e idiomas, há o risco de rejeitarmos tudo o que não é versado conforme o figurino anglo-saxão.
Ouvimos músicas em inglês, mas achamos brega as canções em espanhol, italiano, francês, japonês, hindu ou alemão। É uma globalização em que há somente uma única e unilateral manifestação de vontade, calcada na hegemonia norte-americana, com as migalhas para os outros países de língua inglesa.
Ficamos como papagaios, repetindo palavras que nem sabemos o significado, e como macacos, vestindo roupas que não se adequam à nossa conjuntura tropical. Nossa identidade cultural se estrepa porque deixamos de valorizar aquilo que é nosso e nos privamos de conhecer as maravilhas produzidas por gente do resto do planeta.
Das agências de notícias, vamos direto nas de língua inglesa, afinal, quem sabe ler árabe, persa, russo ou japonês? E compramos, com isto, a versão oficial do Império, moldando nossa visão de mundo conforme suas regras de consumo e padrões aceitáveis de conduta, incorporando o neoliberalismo nas nossas almas. Reproduzimos o sistema que nos fustiga e nos tornamos carrascos de nós mesmos e nossos irmãos.
Nas telas do cinema, ou debaixo das cobertas, na frente da televisão e do videocassete, idolatramos heróis norte-americanos e nos esquecemos dos nossos mártires. Em vez de gozarmos por nós mesmos, sentimos prazer ao cultuarmos o “top ten” ianque. Uma masturbação mental tremenda, que nos leva à bancarrota, e nos impede de alavancar e impulsionar nossa produção cultural.
Aprendemos que os seguidores do Corão são “maus” conforme ditam os âncoras da CNN, ao som de “Born in USA”, de Bruce Springsteen. E nos esquecemos das maravilhas que os muçulmanos legaram às nossas vidas, como a geometria, a álgebra e a ótica, ensinadas na Universidade de Oxford, algo que hoje os ingleses rejeitam-se a divulgar.
Nos filmes, a garota do país subdesenvolvido sempre cede ao charme do garanhão norte-americano, nem que seja à força. Afinal, é uma nação que sempre quer estar por cima. Mas um dia é da caça e o outro é do caçador, por isso, surgem as guerras estúpidas e os atentados insanos.
O grito disforme dos marginais da ordem internacional se revela no desespero e na miséria das favelas do mundo todo. Aqui, o caipira toca sua viola e canta os dramas da sua vida curtida a sol, na roça. Entretanto, depois que faz sucesso, pega uma guitarra elétrica, aprende o blue grass e o country music e se veste como caubói americano. Em seguida, entra para o “Mundo de Marlboro”. Não temos o “Cavaleiro Solitário”, nem seu companheiro “Tonto”, mas nossos brinquedos glorificam o pistoleiro e o índio norte-americano. Enquanto imbecilizamos as nossas crianças, estimulando-as a brincar segundo um folclore importado, os nossos nativos estão sendo expulsos das suas terras por grileiros.Paradoxos e mais coisas sem nexo. Afinal, somos apenas humanos.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

ETAPAS DE APRENDIZADO MORAL

ETAPAS DE APRENDIZADO MORAL[i]




PROF. MS. ROGER MOKO YABIKU
[ii]




Em 1963, John Rawls escreveu “The sense of justice”[iii], dando os contornos teóricos preliminares de um dos poderes morais do cidadão em sua concepção política de pessoa, que seria reestruturado e incluso como o capítulo VIII, “Senso de justiça”[iv], em sua obra principal. Em termos gerais, Rawls alega que devemos observar o dever da justiça com aqueles que são capazes de ter um senso de justiça. Os homens incapazes de adquirir os quesitos mínimos especificados por uma concepção pública de justiça não são por ela limitados, nem seriam protegidos por seus princípios ou agraciados pelos seus benefícios. Não são capazes de sentirem ressentimento e indignação pelos seus atos quando transgridem a autoridade ou as regras dos grupos que participa, o que pode significar falta ou dificuldade de assimilar laços de amizade ou de confiança mútua. Pessoas assim, segundo Rawls, parecem carecer de alguns elementos essenciais de humanidade. O senso de justiça, aspecto fundamental da personalidade moral, é algo que as pessoas simplesmente têm, como resultado de um certo desenvolvimento natural, diz Rawls.
No texto de 1963, a construção psicológica do senso de justiça, em Rawls, é composta de três partes que representam três estágios de sentimentos (feelings)
[v] de culpa: (a) culpa com relação à autoridade (authority guilt), (b) culpa com relação à associação (association guilt) e (c) culpa com relação a princípios (principle guilt). Em TJ, estes três estágios de sentimento (feelings) de culpa foram repensados e substituídos, respectivamente, por etapas de aprendizado moral: (a) moralidade de autoridade, (b) moralidade de grupo e (c) moralidade de princípios. Semelhante colocação é feita por Lawrence Kohlberg, em seus “estágios do desenvolvimento moral”. Para ele, cada estrutura moral tem uma estrutura lógica correspondente. Cada estágio – formalmente considerado – é uma estrutura de desenvolvimento lógico e moral que tem um equilíbrio melhor que o antecessor. O estágio posterior constitui uma nova estrutura que abrange elementos da anterior, mas transforma-os de modo que sejam mais estáveis e disponham de maior equilíbrio. Ressaltemos que ambos procuram seguir uma tradição racionalista de aprendizagem moral que remonta ao pedagogo Jean Piaget, para quem a aprendizagem moral seria um aspecto do livre desenvolvimento das capacidades intelectuais e emocionais, de acordo com a natureza de cada um:

“Quando as capacidades de entendimento amadurecem e as pessoas vêm a reconhecer o seu lugar na sociedade, sendo capazes de adotar o ponto de vista dos outros, elas apreciam os benefícios mútuos do estabelecimento de termos eqüitativos de cooperação social. Temos uma simpatia natural com as outras pessoas, e uma suscetibilidade inata para prazeres proporcionados pelo sentimento de companheirismo e pelo autodomínio, que fornecem uma base afetiva para os ‘sentimentos morais’, uma vez que sejamos capazes de ter um entendimento claro de nossas relações com nossos consócios, de uma perspectiva adequadamente geral. Assim, essa tradição considera os ‘sentimentos morais’ como uma conseqüência natural de uma plena valorização de nossa natureza social.” (TJ, VIII, § 69, p. 510)



Para Piaget, há uma paralelismo entre o desenvolvimento lógico e o desenvolvimento moral da criança. Quer dizer, ambos estão em sincronismo. Para ele os estágios do desenvolvimento mental são quatro: a-) estágio sensório-motor (0 a 2 anos); b-) estágio intuitivo ou simbólico (2 a 7 anos); c-) estágio das operações concretas (7 a 12 anos); d-) estágio das operações formais (13 anos em diante).
No estágio sensório-motor, o bebê conhece o mundo por meio do desenvolvimento das suas percepções sensoriais e dos seus movimentos. Não se pode dizer que a criança, nessa idade, pensa propriamente dizendo. Sua inteligência evolui conforme coordena as sensações e movimentos. A criança não se separa do mundo de modo nítido, por isso, fala-se em indiferenciação nesta fase, já que não consegue se distinguir como sujeito individual.
No estágio seguinte, o intuitivo (ou simbólico), a lógica infantil descobre o símbolo. Como ainda não tem experiência de vida, a inteligência da criança é intuitiva. Mesmo que ela saiba ir à escola, por exemplo, ela não consegue fazer um mapa do percurso. As suas lembranças ainda são motoras. Nessa etapa, surge o egocentrismo infantil. A criança é o seu próprio ponto de referência, já que pensa, sente e age tendo como ponto de partida si mesma. Não raro, se percebem grupos de crianças que conversam sozinhas, em grupo. Ela vive num mundo “amoral” (sem moral), no qual não há leis, por isso, muitas vezes, não está pronta para jogos com regras. Entre os 3 e 4 anos, torna-se capaz de aceitar normas exteriores (heteronomia), que vem dos pais, dos grupos e da sociedade.
Já no estágio das operações concretas, a criança passa a interiorizar a ação. Ela começa a ter mais aptidão para a matemática. E consegue já a ter uma representação mental das suas ações. Quer dizer, consegue ir sozinha para a escola e representar, em forma de desenho, o trajeto. No entanto, essas opraçõe são concretas, por dependerem da experiência vivida, das percepções intuitivas. O discurso lógico da criança se aprimora, é mais objetivo. Começa a frequentar grupos, nos quais expressa companheirismo e unidade com os demais. São as “panelinhas” com líderes. A heteronomia, de aceitação das normas dos pais e da sociedade, são reforçadas nessa fase. Há maior facilidade e gosto por jogos e brincadeiras com regras rígidas.
No último estágio, o das operações-formais, ocorre na adolescência, na qual surgem características que lhe marcarão para o resto da vida. O pensamento lógico agora é formal, ou abstrato. O adolescente é capaz de se distanciar da experiência e pensar por hipótese, sendo época propícia para o aprendizado de ciências, matemática e filosofia. Tem na cooperação e na reciprocidades suas características. Antes, se nos grupos, havia um líder a quem todos obedeciam, neste estágio, há idéia de discussão e consenso entre os membros. O adolescente atinge e autonomia, decide, por si mesmo, se obedece, ou não, uma norma.
Kohlberg, por sua vez, rejeita a teoria, de Piaget, do paralelismo entre a psicogênese do pensamento lógico e psicogênese da moralidade. Para Kohlberg, o desenvolvimento lógico e o desenvolvimento moral não seguem, necessariamente, a mesma velocidade.
De acordo com Rawls, para que o sujeito tenha um entendimento satisfatório das concepções morais, deve estar realmente capaz de compreender o seu lugar na sociedade, acatando finalmente os dois princípios da justiça. Quer dizer, deve estar amadurecido o suficiente para conseguir controlar seus impulsos e reconhecer as injunções morais alheias como anseios legítimos dos outros, que, longe de prejudicá-lo, são restrições consideradas como compatíveis com o seu bem. Os membros mais jovens da sociedade paulatinamente formam em si o senso de justiça, à medida que crescem e se interagem com os demais.





O primeiro estágio de desenvolvimento moral é denominado, por Rawls, de moralidade de autoridade, que se desenvolve no seio da instituição familiar. A criança, principalmente em tenra idade, é incapaz de fazer uma avaliação mais ou menos coerente sobre preceitos e restrições impostas pelos seus pais, as autoridades mais próximas e influentes do seu convívio. Pela inexperiência, incapacidade de juízo e conhecimento adequado, não sabe que os atos, numa sociedade bem ordenada, devem ter uma certa justificativa, aliás, nem teria competência para tal. Portanto, não tem fundamentos para desafiar aquilo que seus pais fazem ou lhe orientam. Se a racionalidade, por parte da criança, não pode explicar a submissão à autoridade dos pais, Rawls diz que o elemento em questão é o amor que a criança vem a ter por eles, desde que antes os mesmos manifestem seu amor por ela.
Ora, o amor entre os pais e a criança é uma via de mão-dupla. Ao amarem a criança, os pais confirmam seus sentimentos pessoais, que dão origem ao amor da criança por eles. Nesta relação de afeição e encorajamento dos pais, a criança passa a confiar neles e nos meios em que vive, ela começa a explorar pelos arredores e testar as capacidades que desenvolvem consigo progressivamente. Mas por ora, a criança não tem capacidade individual ou padronizada de crítica, não pode descartar o que lhe é oferecido (preceitos, injunções, ou mesmo bens) racionalmente. Suponhamos que a criança ama e confia nos seus pais, sua tendência é aceitar os padrões por eles impostos, espelhando-se nas suas condutas para ser como são, desde que sejam cidadãos dignos e aceitáveis nestes termos para a criança e que, para efeito do nosso estudo, ajam segundo a concepção política de justiça. Aos poucos, a criança começa a desenvolver um senso de valor próprio e o anseio de ser um tipo de pessoa como aquelas que o amam em primeiro lugar.
Devemos considerar que os pais elaboram e impõem regras inteligíveis para o entendimento da criança de modo a mostrar – com o decorrer do tempo e a evolução intelectual dela – os princípios norteadores destes tipos de comportamento. Se a criança transgride uma dessas regras, se ela realmente ama e confia nos seus pais, tende a confessar e resgatar a relação de amor e confiança com eles, manifestando culpa com relação à autoridade. Estaríamos com um problema se estes sentimentos não viessem à tona, pois significaria falta de amor e confiança.
Traçando um paralelo com Lawrence Kohlberg, a moralidade de autoridade de Rawls corresponderia ao estágio moral pré-convencional, no qual a criança assimila regras embutidas na cultura e seus chavões dualistas como bom e mau, certo e errado, para classificar alguns tipos de comportamento, através de sensações físicas ou pelas conseqüências hedonistas dos seus atos, como a punição, a recompensa ou a troca de favores, ou ainda pelo poder físico daqueles que elaboram (ou enunciam) as regras e chavões. Kohlberg dividiu esta etapa em dois estágios:

“Estágio 1: Orientação punição e obediência. As conseqüências físicas da ação determinam-na como boa ou má, apesar do significado humano do valor dessas conseqüências. Evitar a punição e a deferência inquestionável ao poder são valoradas em seus próprios termos de certo (right), não em termos de respeito por uma ordem moral subjacente baseada na punição e na autoridade.
Estágio 2: Orientação instrumental-relativista. A ação correta consiste naquilo que satisfaz instrumentalmente as próprias necessidades do indivíduo e, ocasionalmente, as necessidades dos outros. As relações humanas são vistas tais como relações num supermercado. Elementos de eqüidade, reciprocidade e igual compartilhamento estão presentes, mas eles são sempre interpretados de modos físicos e pragmáticos. Reciprocidade seria algo do tipo ‘você coça minhas costas e eu coço as suas costas’, e não algo baseado em lealdade, gratidão e justiça.”[vi]

A etapa pré-convencional de Kohlberg demonstra uma visão um pouco que “hobbesiana” de autoridade, como alguém que submete os outros à sua arbitrariedade (soberania, somente no sentido de soberania do Estado, obviamente), sob a pena de sanções físicas ou mesmo de constrangimento impostas exteriormente ao indivíduo que violou as definições de quem detém o poder, cujos valores pessoais refletem imediatamente a regra a ser aplicada. No estágio 1, a autoridade é confundida com o próprio direito e aquilo que “deveria” é aquilo que “deve ser feito” por causa de imposições externas ao seu ser. Já no estágio 2, há uma certa liberdade para controlar a si mesmo e suas posses, e se pode ignorar as reivindicações de bem-estar dos outros, desde que sua recusa não interfira diretamente na sua liberdade ou lhe cause danos. Ele segue as escolhas que levam ao fim de um só, apesar de encontrar o “deveria” como uma alternativa, não sendo mais subordinado àquilo que “deve ser feito”. Na etapa pré-convencional, podemos ver uma concepção de direitos e deveres (obrigações) num certo sentido egoísta
[vii], se compararmos com as colocações de Rawls, e primitiva se compararmos com os dias de hoje:

“Estágio 1. Ter um direito: Significa ter o poder de autoridade ou de controlar algo ou alguém. Ter um direito confunde-se com estar agindo certo (de acordo com a autoridade).
Obrigação: O ‘deveria’ é o que ‘tem que ser’ devido às exigências das autoridades exteriores, regras, ou situações exteriores.
Estágio 2. Ter um direito: Implica em liberdade para o ‘autoconceito’ escolher e controlar o ‘autoconceito’ e suas posses. Um tem o direito de ignorar os clamores positivos de bem-estar do outro, desde que o primeiro não viole diretamente sua liberdade, ou lhe cause dano. (Ter um direito é diferente de estar certo, de ser agraciado pelo poder, devido ao status que carrega)
Obrigação. A obrigação ou ‘deveria’ é um imperativo hipotético contingente na escolha dos termos para um fim. Neste sentido, obrigações são limitadas a um indivíduo e seus fins. (O ‘deveria’ ou a obrigação é diferente do ‘tem que fazer’, oriundo do exterior ou da compulsão da autoridade.)”
[viii]

Rawls, por sua vez, vê a autoridade como o tutor que vai inserir a criança – ou uma pessoa no início do seu desenvolvimento moral –, aos poucos, na sociedade, criando vínculos que vão marcar profundamente sua personalidade moral, como alguém que aprendeu a amar porque foi amado e que, apesar de não dispor por enquanto de capacidade intelectual para estabelecer raciocínios e críticas com relação ao que lhe é imposto, assimila padrões de comportamento e valores daqueles que estão em posição de superioridade, pois os admira e lhes quer bem. Nestas constatações, podemos já enunciar a primeira lei psicológica de Rawls:

“Primeira lei: dado que as instituições familiares são justas, e que os pais amam a criança e expressam manifestamente esse amor preocupando-se com seu bem, então a criança reconhecendo o amor evidente que sentem por ela, aprende a amá-los.” (TJ, VIII, § 75, p. 544)



Passaremos agora ao segundo estágio do desenvolvimento moral, a moralidade de grupo. Nesta etapa, pressupomos que o indivíduo já internalizou determinados quesitos e padrões de comportamento que eram característicos da primeira lei psicológica, configurando um sujeito que foi amado pelos pais e que aprendeu a amá-los e a devotar-lhes confiança. Naquele momento, o conteúdo da moralidade da autoridade podia ser resumido num apanhado de regras. Aqui, levamos em conta os padrões morais mais adequados para que o cidadão possa desempenhar seu papel como membro das associações que ingressou, ou mesmo de uma nação. Rawls afirma que, nesta etapa, os padrões morais abrangem “as regras de moralidade ditadas pelo senso comum, juntamente com os ajustes necessários para adequá-las à posição particular de um indivíduo; e são impressos nele pela aprovação ou pela desaprovação daqueles que detêm a autoridade ou pelos outros membros do grupo”

[ix].
Nesta etapa do desenvolvimento, a família é vista como uma associação, com ordem hierárquica e atribuição de direitos e deveres, cujos padrões são assimilados e servem de base para os relacionamentos em outros grupos sociais, como os relacionamentos na escola ou naqueles travados entre os vizinhos. A cooperação social, de curto prazo, é aprendida nas brincadeiras e nos jogos partilhados com os outros. Adquire as virtudes de um bom aluno e colega de classe e os ideais de um bom parceiro e companheiro, que se estenderão a padrões morais que forem adotados posteriormente e nas várias funções e ocupações da sua vida adulta, seja na família ou membro da sociedade.
[x] A moralidade de grupo contém um número de ideais maiores que o da moralidade de autoridade, pois define padrões para cada função ou papel que o cidadão desempenha em meio às associações e na sociedade como um todo. Progressivamente, os juízos intelectuais e as discriminações morais tomam posições mais apuradas, denotando maior teor do entendimento moral, que é adquirido ao longo do convívio e dos papéis que o cidadão passa a ocupar.
A pessoa passa a compreender que um sistema de cooperação permeia o grupo e os indivíduos que fazem parte dele, assim como os objetivos em comum. Pela vivência, nota que cada um tem uma atribuição de direitos e deveres condizentes com o papel que desempenha no grupo, daí, o cidadão percebe que precisa aprender e aprende a se colocar no lugar dos outros e a ver a realidade pelo prisma deles. Na moralidade de grupo, é importante lembrar que o cidadão adquire uma posição intelectual hábil para olhar um determinado objeto com vários pontos de vista, pensados como um conjunto. O cidadão percebe os outros como pessoas que podem ter idéias, necessidades, objetivos, planos e motivações diferentes das suas. Ele aprende a não rechaçar a diferença, mas a avalizar sua conduta em compatibilidade com a conduta dos outros. Essa possibilidade de se colocar no lugar do outro modifica a sensibilidade moral de uma pessoa, o que é vital para entendermos o complexo de feixes de relacionamentos da cooperação social.
Todos do grupo devem reconhecer que as instituições que fazem parte e suas práticas são justas e segundo os princípios da justiça e que os laços de amizade e companheirismo foram gerados pela sua participação no grupo. Ao aceitarem as regras das instituições em que se associaram como justas, eqüitativas, haverá motivos suficientes para que, entre eles, floresçam laços de amizade e confiança mútua, fortalecendo o sistema de cooperação. Caso um dos membros tenha certas habilidades ou um jeito de realizar as tarefas que exerçam algum tipo de atrativo, poderá ser visto como um modelo a ser seguido pelos seus consócios.
Kohlberg analisou as relações entre o indivíduo e o grupo no nível convencional das suas etapas de desenvolvimento moral. Neste nível, algumas expectativas do indivíduo - quanto a instituições como a família, o grupo ou a nação - são vistas como válidas e coerentes com relação àquilo que ele considera ser o seu conjunto de direitos. Seu comportamento passa a ser o de conformação das suas expectativas pessoais com a ordem estabelecida, além de sentir lealdade a ela, por meio de atividades que possibilitem mantê-la, defendê-la ou justificá-la, cujos laços são reforçados quando ele também se identifica com as pessoas ou grupos envolvidos neste processo. Esta etapa contém dois estágios:

“Estágio 3: Orientação de concordância interpessoal ou orientação ‘bom garoto... boa garota’. Bom comportamento é aquele que consiste em satisfazer ou ajudar os outros, sendo por estes aprovado. Aqui há muita conformidade com imagens estereotípicas do que é a maioria ou comportamento ‘natural’. O comportamento é freqüentemente julgado pela intenção – ‘ele teve boa intenção’ torna-se importante pela primeira vez. O indivíduo ganha aprovação por ‘ser bom’.
Estágio 4. Orientação Lei e ordem. Há uma orientação em conformidade com a autoridade, regras são fixadas e se mantém a ordem social. O comportamento correto consiste em cada um cumprir o seu dever, mostrando respeito à autoridade e mantendo ordem social dada, pelo seu próprio bem.”
[xi]

Dentro deste sistema, na etapa de moralidade de grupo, cada um deve cumprir sua parte. Mas, em caso de falta ou de inadimplência, o faltoso é acometido de um sentimento de culpa com relação aos consócios, cujos efeitos previstos por Rawls podem implicar em (a) reparação do dano para restituir dos males o estado original, ou (b) admitir sua falta e pedir perdão ao grupo, (c) ou concordância com as penas e censuras, ou (d) pela amortização, ou dificuldade, de se sentir furioso ou indignado com a falta de outrem. Trata-se de cultivar e preservar a ordem estabelecida e de reforçar a identificação entre os membros da associação, como demonstra Kohlberg. A ordem é firmada na regra ou nas expectativas dos demais consócios desde que haja uma aceitação e incorporação de certos valores que permeiam aquele meio social, no qual cada um possui um papel diferente segundo as funções que desempenha nas associações em que é membro. A cada direito “merecido” acompanha uma responsabilidade por fazer parte das associações, ou mesmo da sociedade, e a cada empreitada voluntária, igualmente, lhes são imputadas certas responsabilidades. Kohlberg ilustrou como seriam encarados os direitos e deveres (obrigações) nestes estágios:

“Estágio 3. Ter um direito: Implica numa expectativa de controle e liberdade em que um ‘bem’ ou uma pessoa natural poderia reivindicar. Um direito é baseado tanto na regra quanto na expectativa legítima com relação aos outros, como por exemplo: você tem o direito de ter sua propriedade respeitada desde que tenha trabalhado duro para adquiri-la. Os direitos são merecidos. (Ter um direito é diferente da liberdade para controlar e escolher)
Obrigação: O ‘deveria’ ou ‘dever’ equivale a uma obrigação atribuída a um papel (role-obligation), ou seja, um indivíduo de uma determinada posição social é incumbido de fazer para seus parceiros (role-partners) o que foi definido pelas regras, pela expectativa dos seus parceiros, ou aquilo que o ‘bom’ sujeito desempenhando um papel (role-ocupant) – um bom marido, um bom médico – poderia desempenhar. (A obrigação é diferente de ser um meio para um fim desejado)
Estágio 4. Ter um direito: Direitos são: (a) liberdades gerais categóricas e expectativas que todos os membros da sociedade têm, e (b) os direitos são atribuídos para cada papel particular na sociedade. Direitos gerais usualmente têm primazia sobre os direitos relacionados a papéis. (Ter um direito é diferente de uma expectativa particular legítima).
Obrigação: Obrigações são responsabilidades, i. e., e o estado de bem-estar dos outros ou da sociedade para o indivíduo deve ser levado em conta. Estas responsabilidades surgem das seguintes formas: (a) o indivíduo é um membro da sociedade; e (b) adquire voluntariamente papéis que exigem as respectivas responsabilidades. (A obrigação ou dever como compromisso e responsabilidade é diferente daquilo que tipicamente se espera de um sujeito desempenhando um papel (role-ocupant).)”
[xii]






Kohlberg centrou suas atenções, neste nível, nas funções dos indivíduos (papéis que desempenham nas associações), nos compromissos e nas responsabilidades como fontes elas mesmas de deveres (obrigações), mas não considerou, diferentemente de Rawls, o âmbito interno do sujeito, das suas reações, quando comete as faltas e, ao mesmo tempo, não se quer desvincular das associações que escolheu ou aceitou ser membro. Este indivíduo não é “oco”, um ser mecânico, desprovido, entre outras qualidades, de sentimentos. Aliás, de acordo com Rawls, estaríamos com sérios problemas se uma pessoa faltosa em suas responsabilidades não manifestasse algum tipo de sentimento de culpa, ou remorso, com relação ao grupo. “Uma pessoa sem esses sentimentos de culpa não tem escrúpulos a respeito dos problemas que atingem os outros, nem se incomoda com a quebra de confiança pela qual são enganados. Mas quando existem as relações de amizade e de confiança, essas inibições e reações tendem a ser estimuladas se alguém não consegue cumprir seus deveres e obrigações.”[xiii] Se o sentimento de culpa acomete o faltoso, é claro que a associação teria algum tipo de reação contraposta, manifestada pelos demais membros do grupo (parcial ou totalmente) – caso estejam em conformidade com as regras e práticas da instituição, que seguem os princípios da justiça -, os quais seriam acometidos por ressentimento e a indignação. Neste estágio, Rawls enuncia sua segunda lei psicológica:

“Segunda lei: dado que a capacidade de uma pessoa para o sentimento de companheirismo tornou-se uma realidade quando ela adquiriu vínculos de acordo com a primeira lei, e dado que uma organização social é justa e esse fato é publicamente reconhecido por todos, então essa pessoa desenvolve laços de amizade e confiança, com relação aos outros na associação, à medida que estes, com evidente intenção, cumprem seus deveres e obrigações, e correspondem aos ideais de sua situação” (TJ, VIII, § 75, p. 544)

Abrimos um tópico, em destaque das demais etapas, para que possamos, finalmente, analisar a terceira etapa do desenvolvimento moral, a moralidade de princípios, e introduzir preliminarmente alguns aspectos da teoria da justiça de John Rawls que, como ele próprio salienta, poderiam dar margens para ser entendida como uma teoria dos “sentimentos morais”. Como já vimos, na fase da moralidade de grupo, de uma sociedade sob influência dos dois princípios da justiça, seu conteúdo é composto prioritariamente por virtudes que estimulam e dão maiores forças para a cooperação social, como a justiça, a eqüidade, a fidelidade, a confiança, a integridade e a imparcialidade, enumera Rawls. No pólo contrário, os vícios típicos seriam a avidez, a ausência de eqüidade, a desonestidade, a falsidade, o preconceito e a parcialidade, que causariam sentimento de culpa num sujeito normal, caso incorresse nestas faltas, e de indignação e ressentimento nos outros membros da associação.
[xiv] Pois bem, pressupomos que desde a moralidade de autoridade, as normas comportamentais estão estruturadas segundo a concepção política de justiça e seus dois princípios, cujo entendimento foi ampliado na etapa da moralidade de grupo.
Ele faz parte de diversas associações, nas quais manifesta seu apoio e apego a determinadas pessoas e, mais fortemente, a alguns grupos, dispondo-se, para tal, a seguir certos padrões morais, nos diversos papéis desempenhados em sua vida social, para obter aprovação em sua conduta e seus objetivos. Na moralidade de grupo, as convicções formadas em respeito aos dois princípios da justiça estão mais desenvolvidas que na moralidade de autoridade. O cidadão que, na associação, conseguiu ampliar e assimilar com maior desenvoltura algumas das qualidades prezadas na moralidade de grupo, com certeza, tem uma compreensão dos princípios da justiça. As relações de amizade e companheirismo não são o motivo permanente de obediência à justiça, pois, depois de algum tempo, em vez de somente apreciar o outro e os benefícios das associações que participa, o cidadão pretende ser uma pessoa justa.
Na condução da coisa pública de uma sociedade bem ordenada, os cidadãos travam maiores conhecimentos das atividades políticas, participam dos processos eleitorais e se envolvem com questões legislativas, judiciais e administrativas que exigem certa interpretação do que é justo, de modo que possam aplicar as medidas mais adequadas a cada caso. Isso se dá por meio de processos, definidos pelos princípios da justiça, nos quais os cidadãos devem ter um ponto de vista que inclua ter a perspectiva, inclusive, de uma assembléia constituinte ou legislativa, pois, agora, o assunto é a estrutura básica de uma sociedade como um todo, não mais somente associações e famílias consideradas isoladamente. Compreendemos – por um longo aprendizado – que os princípios da justiça garantem valores e benefícios para todos os cidadãos que aceitam as regras e participam do sistema eqüitativo de cooperação social.
[xv] Ao longo desta jornada, surge-nos o senso de justiça, ou seja, “um desejo de aplicar os princípios da justiça e de agir em conformidade com eles no momento em que percebemos como as organizações sociais que os representantes promoveram o nosso bem e o bem daqueles com os quais nos associamos”.[xvi]
Duas são as maneiras de se manifestar o senso de justiça. Uma delas, obviamente, é a aceitação das instituições justas que regulam as nossas relações e dos demais consócios, causando benefícios para todos. A outra é o sentimento de culpa por não cumprirmos com nossos deveres e obrigações, em vez de sentir culpa com relação aos demais. Rawls entende que devido ao grande número de pessoas é praticamente impossível que o cidadão conheça a todos, o que dificultaria o florescimento de laços de amizade e companheirismo entre todos. Aqui, os cidadãos, como um corpo político, tomam vulto quando aceitam e promovem os princípios da justiça, seja no sentido de resolver divergências de maneira unificada ou de disporem-se a trabalhar favoravelmente ou a construírem instituições justas, reformando-as, quando preciso.[xvii]
Nesta parte, podemos estabelecer comparações com o nível pós-convencional de desenvolvimento moral, proposto por Kohlberg. Em Rawls, os cidadãos atingem a moralidade de princípios ao se darem conta que as atitudes morais não dizem respeito somente à aceitação dos grupos ou das pessoas a quem se afeiçoa, mas sim, de uma concepção de justo, que seja relativamente independente disso. É praticamente a mesma constatação do nível pós-convencional de Kohlberg, no qual as pessoas têm a preocupação e o trabalho de definir valores e princípios válidos e aplicáveis em separado da autoridade, ou dos grupos de pessoas, ou da identificação individual com o grupo. Os dois estágios deste nível são:

“Estágio 5: Orientação legalista tipo contrato social, geralmente com tonalidades utilitaristas. A ação certa (right action) tende a ser definida em termos de direitos individuais gerais, e padrões que foram criticamente examinados e acordados pelo papel da sociedade. Há uma clara ciência do relativismo de valores pessoais e opiniões, com uma ênfase correspondente a regras procedimentais para alcançar o consenso. Ao lado do que é constitucional e democraticamente acordado, o direito é uma questão de ‘valores’ pessoais e ‘opinião’. O resultado é a ênfase sobre o ‘ponto de vista legal’, no entanto, com a ênfase sobre possibilidade de se mudar a Lei em termos de considerações racionais de utilidade social (em vez de paralisar nos termos do estágio 4 ‘Lei e ordem’). Fora do reino legal, o argumento livre e o contrato são as forças vinculantes da obrigação. Esta é a moralidade oficial do Governo americano e da sua Constituição.
Estágio 6: Orientação de princípio ético-universal. Os direitos são definidos pela decisão da consciência segundo princípios éticos escolhidos ao se apelar para a compreensão lógica, a universalidade e a consistência. Estes princípios são abstratos e éticos (a regra de ouro, o imperativo categórico); eles não são regras morais concretas como os Dez Mandamentos. Em essência, são princípios universais de justiça, reciprocidade e igualdade de direitos humanos, e o respeito pela dignidade dos seres humanos como pessoas individuais.”
[xviii]

Segundo Kohlberg, o estágio 5 é aquele em que os homens julgam as Leis a partir de doutrinas como a do contrato social, do utilitarismo de regra e uma certa noção de direitos universais ou naturais. Embora as teorias de Kant e de Rawls sejam vinculadas à doutrina do contrato social, Kohlberg classificou-as no estágio 6. A teoria de Rawls, particularmente, não é apenas uma generalização ou abstração do contratualismo, mas é, nas palavras de Kohlberg, uma nova maneira de pensar, com um novo sistema de assunções, cujo resultado é um novo processo de tomada de decisões. Para dar melhor clareza à exposição, também recorremos à atribuição de direitos e deveres, no nível pós-convencional:

“Estágio 5. Ter um direito: Tem uma preocupação com direitos humanos ou naturais ou liberdades que são prioritários para a sociedade e que, portanto, a sociedade deve proteger. Usualmente se concebe que, no estágio 5, as liberdades devem ser limitadas pela sociedade; pela Lei somente quando são incompatíveis com as liberdades correspondentes (like freedoms) dos outros. (Direitos naturais são diferentes de direitos resguardados socialmente)
Obrigação: Obrigações são aquilo que o indivíduo contraiu para preencher no intuito de ter seus direitos respeitados e protegidos. Essas obrigações são definidas nos termos de uma preocupação racional com relação ao bem-estar dos outros. (As obrigações são requeridas como preocupações racionais com relação ao bem-estar, diferente de responsabilidades fixadas)
Estágio 5. Ter um direito: Há direitos universais para o tratamento justo que vão além das liberdades e representam reivindicações universalizáveis de um para com os demais.
Obrigação: Qualquer direito ou reivindicação justa de um indivíduo habilita um dever correspondente em consideração a outro indivíduo.”
[xix]

Podemos perceber que, no estágio 5, a sociedade tem o dever de proteger cada um dos direitos. Entretanto, não há uma especificação de deveres para aqueles indivíduos que não fizeram parte ou não aceitaram um acordo particular ou mesmo um contrato social; aqui, as obrigações são devidas à Lei e ao bem-estar dos outros, num esquema utilitarista. Os direitos e deveres não são diretamente correlativos, pois o reconhecimento de direitos individuais não gera, necessariamente, deveres individuais. Para que isto ocorra, o cidadão deve tomar o ponto de vista de um “agente moral racional”, que não precisa ser um santo, pois se o fosse, os deveres que invocou para si mesmo não lhe confeririam direitos correspondentes. Deve ser, contudo, justo, aceitando como dever somente aquilo que conceber racionalmente como o que os outros iriam requerer igualmente como dever.
Neste ponto, já podemos falar sobre o senso de justiça, da teoria de Rawls. De acordo com o autor, a moralidade de princípios se desenrola de duas formas, levando em conta as diferenças entre os atos justos e os atos superrogatórios. Existe o senso de justo e de justiça, propriamente dizendo, e o amor pela humanidade e o autodomínio. Para Rawls, uma pessoa compreende e adota o contratualismo ao entender que o “sentimento de justiça não difere do desejo de agir segundo os princípios que os indivíduos racionais aceitariam numa situação inicial que concede a todos uma representação igual como pessoas morais”
[xx], pois: “Nem é diferente de querer agir de acordo com os princípios que expressam a natureza dos homens como seres racionais livres e iguais. Os princípios da justiça correspondem a essas descrições e esse fato nos permite dar uma interpretação razoável do senso de justiça. À luz da teoria da justiça, entendemos como os ‘sentimentos morais’ podem ter uma função reguladora em nossa vida, e têm o papel que lhes é atribuído pelas condições formais impostas aos princípios morais”.[xxi]
Já a moralidade de supererrogação também é separada por dois aspectos. Temos, então, o amor pela humanidade, no qual o cidadão vai além dos seus deveres e obrigações na sua tarefa de promover o bem comum. Não exige contrapartida neste desempenho com relação aos outros e, segundo Rawls, não é para qualquer um, porque demanda benevolência superior, assim como maior nível de sensibilidade no que diz respeito às necessidades e sentimentos alheios, demonstrando, individualmente, um desprendimento de si mesmo. Na segunda versão da moralidade de supererrogação, a moralidade de autodomínio, a caracterização é mais simples, basta que o cidadão aceite, sem obstáculos, agir em conformidade com aquilo que foi conceituado como justo e com a justiça. Aqui, já temos elementos suficientes para que possamos enunciar a terceira lei psicológica de Rawls:

“Terceira lei: dado que a capacidade de uma pessoa para o sentimento de companheirismo foi realizada quando ela realizou vínculos de acordo com as duas primeiras leis, e dado que as instituições de uma sociedade são justas e esse fato é publicamente reconhecido por todos, então essa pessoa adquire o senso de justiça correspondente à medida que reconhece que ela e aqueles por quem se interessa se beneficiam dessas organizações.” (TJ, VIII, § 75, p. 544-545)

Vemos, portanto, que a moralidade de supererrogação – analisada à luz da terceira lei psicológica de Rawls – não se choca com as normas definidas do justo e da justiça, há apenas uma certa ampliação da esfera de atuação do cidadão rumo a objetivos que não lhes são exigidas contrapartidas. Segue os preceitos da justiça, mas alcança um plano em que não precisa ser compelido a fazer, deixar de fazer ou dar algo, em destaque com relação aos demais cidadãos porque o eu (do cidadão no estágio de moralidade supererrogatória) adotou voluntariamente estas prerrogativas. O santo sempre é justo. O justo nem sempre é santo. Mas ambos contribuem, certamente, para a promoção do sistema eqüitativo de cooperação social, em nome da justiça como eqüidade e seus princípios.





LISTA DE ABREVIAÇÕES



RH
RAWLS, John. Resposta a Habermas. Educação & Sociedade, n. 57, pp. 621-673, 1996. Edição especial.
TJ
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução por Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves; revisão técnica por Gildo Rios. 1. ed. 2. reimpressão. São Paulo (SP): Martins Fontes, 1997. Tradução de A theory of justice, 1971.
CP
RAWLS. Collected papers. Cambridge, Massachussetts e Londres, Inglaterra: Harvard University Press, 1999.
JD
RAWLS, John. Justiça e democracia. Seleção, apresentação e glossário por Catherine Audard; traduzido por Irene A. Paternost. 1. ed. São Paulo (SP): Martins Fontes, 2000a. Tradução de Justice et démocratie.
LP
RAWLS, John. O liberalismo político. Traduzido por Dinha de Abreu Azevedo; revisão da tradução por Álvaro de Vita. 2. ed. São Paulo (SP): Editora Ática, 2000b. Tradução de Political liberalism, 1993.
HMP
Lectures on the history of moral philosophy. Cambridge, Massachusetts e Londres, Inglaterra: Harvard University Press, 2000c.
JFR
RAWLS, John. Justice as fairness: a restatement. Cambridge, Massachussetts e Londres, Inglaterra: Harvard University Press, 2001a.


BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR



ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. Filosofando. 3. ed. rev. São Paulo: Moderna, 2003.
KOHLBERG, Lawrence. The claim to moral adequacy of a highest stage of moral judgement. Journal of philosophy, v. 70, 1970. p. 630-646.



[i] Apostila da disciplina “Ética I” elaborada para o curso de Tecnologia em Comércio Exterior do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (Ceunsp), baseada na dissertação de mestrado “A justiça além do discurso jurídico: ensaio sobre o neocontratualismo de John Rawls”, de Roger Moko Yabiku. Este texto não possui maiores pretensões acadêmias, muito menos está acabado para fins de publicação. Trata-se apenas de um recurso pedagógico.
[ii] Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo, Bacharel em Direito, Graduado pelo Programa Especial de Formação Pedagógica de Professores de Filosofia, Especialista em Comércio Exterior, Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal e Mestre em Filosofia Ética.
[iii] CP, p. 96-116.
[iv] TJ, VIII, p. 503-569.
[v] Em TJ, Rawls, em vez de “feelings”, usa a palavra “sentiments” quando faz referência aos “sentimentos morais” dominantes e permanentes. A palavra “feelings” foi utilizada, em TJ, para especificar os tipos de sentimentos morais que surgem ocasionalmente.
[vi] “Stage 1: The punishment-and-obedience orientation. The physical consequences of action determine its goodness or badness regardless of the human meaning or value of these consequences. Avoidance of punishment and unquestioning deference to power are valued in their own right, not in terms of respect for an underlying moral order supported by punishment and authority.
Stage 2: The instrumental-relativist orientation. Right action consists of that which instrumentally satisfies one’s own needs and occasionally the needs of others. Human relations are viewed in terms like those of the market place. Elements of fairness, of reciprocity, and of equal sharing are present, but they are always interpreted in a physical pragmatic ways. Reciprocity is a matter of ‘you scratch my back and I’ll scratch yours’, not of loyalty, gratitude, or justice.” (Kohlberg, 1973, p. 631)
[vii] Talvez seja a representação de um individualismo possessivo, que foi alavancado com a modernização do capitalismo, na visão de Jürgen HABERMAS, Aclaraciones a la ética del discurso, p. 47.
[viii] “Stage 1. Having a right: Means having the power or authority to control something or someone, or it is confused with being right (in accordance with the authority).
Obligation: Or ‘should’ is what one ‘has to do’ because of the demands of external authorities, rules, or the external situation.
Stage 2. Having a right: Implies freedom of the self to choose and to control the self and its possessions. One has a right to ignore the positive claims or welfare of another as long as one does not directly violate his freedom, or injure him. (Having a right differentiated from being right, and from being given the power to, by a status one holds)
Obligation: Obligation or “should” is a hypothetical imperative contingent on choice in terms of an end. In this sense, obligations are limited to oneself and one’s ends. (‘Should’ or obligation differentiated from ‘has to’ from external or authority compulsion)” (Kohlberg, 1973, p. 636)
[ix] TJ, VIII, § 71, p. 518.
[x] Ibid.
[xi] “Stage 3: The interpersonal concordance or ‘good boy... nice girl’ orientation. Good behaviour is that which pleases or helps others and is approved by them. There is much conformity to stereotypical images of what is majority or ‘natural’ behaviour. Behaviour is frequently judged by intention – ‘he means well’ becomes important for the first time. One earns approval for ‘being nice’.
Stage 4: The ‘law and order’ orientation. There is an orientation toward authority, fixed rules, and the maintenance of the social order. Right behaviour consists of doing one’s duty, showing respect for authority, and maintaining the given social order for its own sake.” (Kohlberg, 1973, p. 631)
[xii] “Stage 3. Having a Right: Implies an expectation of control and freedom which a ‘good’ or natural person would claim. A right is based either on a rule or a legitimate expectation toward others, e. g., you have a right to have your property respected since you worked hard to acquire the property. Rights are earned. (Having a right differentiated from the freedom to control and choose)
Obligation: ‘Should’ or ‘duty’ equals a role-obligation, what it is incumbent on a member of a social position to do for his role-partners as defined by rules, by the expectation of the role-partner, or by what a good role-ocupant (a good husband, a good doctor) would do. (Obligation differentiated from being a means to a desired end)
Stage 4. Having a Right: Rights are: (a) categorical general freedoms and expectations which all members of society have, and (b) rights awarded to particular roles by society. General rights usually take primacy over role-rights. (Having a right differentiated from a particular legitimate expectation.)
Obligation: Obligations are responsibilities, i. e., welfare states of others or of society for which one is accountable. These responsibilities arise trough: (a) being a member of society; and (b) voluntarily entering into roles which entail these responsibilities. (Obligation or duty as commitment and responsibility differentiated from what is typically expected of a role-occupant.)” (Kohlberg, 1973, p. 636-637)
[xiii] TJ, VIII, § 71, p. 522.
[xiv] Ibid., p. 524.
[xv] Os termos eqüitativos de cooperação social são estabelecidos, de acordo com Rawls, por um acordo entre as pessoas, que têm em vista o que consideram seu benefício mútuo. (LP, III, § 1, p. 142)
[xvi] TJ, VIII, § 72, p. 525.
[xvii] Ibid., p. 525-527.
[xviii] “Stage 5: The social-contract legalistic orientation, generally with utilitarian overtones. Right action tends to be defined in terms of general individual rights, and standards which have been critically examined and agreed upon by the hole of society. There is a clear awareness of the relativism of personal values and opinions and a corresponding emphasis upon procedural rules for reaching consensus. Aside from what is constitutionally and democratically agreed upon, the right is a matter of personal ‘values’ and ‘opinion’. The result is an emphasis upon the ‘legal point of view’, but with an emphasis upon the possibility of changing law in terms of rational considerations of social utility (rather than freezing it in terms of stage 4 ‘law and order’). Outside the legal realm, free agreement and contract is the binding element of obligation. This is the ‘official’ morality of the American government and constitution.
Stage 6: The universal-ethical-principle orientation. Right is defined by the decision of conscience in accord with self-chosen ethical principles appealing to logical comprehensiveness, universality, and consistency. These principles are abstract and ethical (the Golden Rule, the categorical imperative); they are not concrete moral rules like the Ten Commandments. At heart, these are universal principles of justice, reciprocity and equality of human rights, and of respect for the dignity of human beings as individual persons.” (Kohlberg, 1973, p. 632)
[xix] “Stage 5. Having a Right: Has an awareness of human or natural rights or liberties which are prior to society and which society is to protect. It is usually thought by the stage 5 that freedoms should be limited by society and law only when they are incompatible with the like freedoms of others. (Natural rights differentiated from socially awarded rights)
Obligation: Obligations are what one has contracted to fulfill in order to have one’s own rights respected and protected. These obligations are defined in terms of a rational concern for the welfare of others. (Obligations as required rational concern for welfare differentiated from fixed responsibilities)
Stage 6. Having a Right: There are universal rights of just treatment which go beyond liberties and which represent universalizable claims of one individual upon another.
Obligation: Any right or just claim by an individual gives use to a corresponding duty to another individual.” (Kohlberg, 1973, p. 637)
[xx] TJ, VIII, § 72, p. 530
[xxi] Ibid.