terça-feira, 28 de julho de 2009

Linguagem e educação



A linguagem tem uma importância fundamental para a articulação do pensamento e da vida em sociedade. Na Grécia antiga, Aristóteles – em “A política” – já dizia que o homem é um animal político porque é dotado de linguagem, que lhe permite organizar-se social e civicamente, diferenciando-o dos demais animais, que teriam apenas voz, mas não linguagem. Os valores da vida social e cívica seriam transmitidos por meio da linguagem. Trata-se de uma forma particularmente humana de comunicação, de se relacionar com o mundo, com o outro, de vivenciar as artes e expressar o pensamento.

Há diversas formas de linguagem: desenhos, danças, gestos, ritmos, esculturas, pinturas, arquiteturas, entre outras. E várias delas podem ser aplicadas à educação, em geral, principalmente a oral e a escrita. Um exemplo de aplicação da linguagem oral na atividade escolar. O aluno precisa aprender a falar corretamente, de acordo com o vernáculo, para se fazer entendido e entender os demais colegas. O professor também precisa saber utilizar a linguagem oral para se fazer entendido e entender os demais. A comunicação oral é a mais simples, mais coloquial e a mais versátil.



Por meio da linguagem oral, o professor ministra suas aulas e os alunos se mobilizam para refletir sobre o conhecimento adquirido. Interagem socialmente e constroem sua convivência a interpretam as normas éticas por meio da razão comunicativa.

A linguagem escrita, por sua vez, exige maior raciocino e maior emprego de lógica, já que há necessidade de correlação entre os termos utilizados na oração. Embora toda linguagem em si seja uma extensão da lógica, pela linguagem escrita, através da sua codificação gramatical, os alunos aprendem a raciocinar com maior clareza. É pela escrita que os alunos aprendem a abstrair e a refletir com maior profundidade sobre diversos aspectos da vida, aprofundando, muitas vezes, os aspectos apreendidos pela linguagem oral.

Por meio da dança, por exemplo, o aluno pode aprender com maior verossimilhança questões de controle corporal e noções de espaço-tempo, em geral. Desenvolve-se a sensibilidade conjugada com a aplicação prática de física e matemática, por exemplo. Na dança, o sujeito tem que ter noção de ritmo e de velocidade, entre outras variáveis, para ter uma boa performance.

segunda-feira, 27 de julho de 2009

O PROBLEMA DA ÉTICA EM MARTIN HEIDEGGER


INTRODUÇÃO

Martin Heidegger nasceu em Messkirch, Schwarzwald (Floresta Negra), na Alemanha, em 26 de novembro de 1889. Cresceu num ambiente cercado de religiosidade, pois seu pai era um sacerdote católico, com certas ocupações na comunidade. A partir desta influência, Heidegger mostrou interesse pelas questões religiosas e despertou seu interesse pela filosofia, pelas leituras de Franz Brentano, um filósofo católico do século XIX, e, mais tarde, pelos pensadores gregos, pré-socráticos, principalmente.


Terminando seus estudos básicos, Heidegger entrou para a Ordem dos Jesuítas e, como noviço, estudou a filosofia cristã medieval e a teologia de São Tomás de Aquino, na Universidade de Freiburg. Já tinha em mente a questão do estudo do verbo “ser”, que seria praticamente o objeto de toda sua obra teórica. Além dos pensadores gregos, teve nítida influência do dinamarquês Soren Kieerkegaard e dos alemães Friedrich Nietzsche e Wilhelm Dilthey. Mas seu grande mestre, naquela época, foi Edmond Husserl, o fundador da fenomenologia, que lhe orientou em sua tese doutoral.

Também recebeu orientações de Heinrich Rickert, mentor da Escola de Baden (neo-kantista). Ainda muito jovem, em 1927, Heidegger surpreendeu o mundo filosófico ao lançar aquilo que, talvez, tenha sido sua obra mais significativa: Sein und Zeit.
[i] Trata-se de um trabalho de leitura árdua, quase impossível, para alguns, mas que deixou uma marca de extrema relevância nos meios acadêmicos, servindo de referência para grandes nomes da filosofia como Jean-Paul Sartre, mais outros pensadores existencialistas. Nesta época, Heidegger era professor “ordinarius” da Universidade de Marburg. Em 1928, renunciou sua ocupação e voltou à Universidade de Freiburg, na qual assumiu a cadeira de seu antigo mestre, Husserl. O discurso de posse da cátedra “Was ist metaphysic?” (O que é metafísica) trouxe consigo um dos temas mais desenvolvidos por Heidegger, “das nichts” (o nada).

Na década de 30, Heidegger passou por uma revolução, que lhe afastou dos estudos sobre o ser e o tempo, ao mesmo tempo, em que aderiu ao partido nazista. Essa passagem, embora curta, teve nítidas influências por toda sua vida. Devido ao novo status adquirido, Heidegger foi reitor da Universidade de Freiburg, cargo que renunciou logo depois. Em 1944, com a derrota da Alemanha na II Guerra Mundial, Heidegger parou de lecionar. No ano seguinte, foi proibido oficialmente de lecionar e seu passado nazista foi totalmente investigado. Como não foi condenado por nenhuma ação conexa a Adolf Hitler e seus asseclas, manteve seu direito à aposentadoria. De 1951 a 1958, fez várias conferências. Mesmo atarantado pela idade, Heidegger continuava como um dos nomes mais importantes dentro da corrente fenomenológica da filosofia, até seu falecimento, na sua cidade natal, em 1976.

Em sua obra, Heidegger não deixou explicitamente indicados traços de uma ética. Porém, de modo implícito, sugere uma ética da precariedade, numa instância pós-metafísica. É nítida sua reflexão acerca do ser e as mazelas da “razão instrumental” que o aprisionam e “coisificam” sua dimensão, tal qual uma mercadoria. O papel da Angst (angústia) e a noção da finitude do ser definem sua consciência com relação a si mesmo, revelando-lhe sua essência.


I - A DIMENSÃO ÉTICA EM HEIDEGGER



Loparic (2001) entende que Heidegger, em sua “pós-metafisica”, lança as bases de uma “ética originária”, ao propor ultrapassar a metafísica, o que levaria à desconstrução de uma ética com fundamentos ou vínculos com uma teoria da presentidade (Vorhandenheit). “Sendo assim, a ontologia fundamental e as revisões que Heidegger fez da mesma seriam diferentes formulações de uma ética originária.”
[ii]

As considerações de Loparic sobre Heidegger sugerem que para que o homem contemporâneo ser racional deve buscar algo que não seja, por incrível que pareça, a própria razão, ou seja, uma “dimensão pré-reflexiva da própria vida”
[iii]. Para complementar, Loparic cita Nunes:

“Pois a finitude, dessa forma concebida, possibilita, ao mesmo tempo, a ‘destruição’ dos sistemas morais (éticas infinitistas da salvação, do dever, do prazer e da utilidade) – paralelamente à metafísica – e a libertação da ética originária, já escrita desde Ser e o tempo, em que o trabalho desconstrutivo principia, e da qual nos fala a Carta sobre o humanismo”
[iv]

A origem do ético, em Heidegger, é a dor originária, que, em vez de ser superada ou escondida das “dores do mundo”, deve ser suportada. E um dos maiores perigos atuais da humanidade é a objetivação do homem pela racionalidade técnica, numa época em que os entes podem ser praticamente controlados, em sua totalidade, por procedimentos controlados racionalmente. Daí, Loparic diz que, para Heidegger, a “animalidade do homem (...) só se tornou bestialidade estarrecedora que conhecemos na modernidade”
[v]. Essa condição a priori é o cerne que dá possibilidades de formular “modos fundamentais de pensar e agir, entre eles, os crimes contra a humanidade”[vi] . E prossegue:

“Se é assim, faz sentido dizer que a objetivação radical do humano é a mais perigosa do que este ou aquele crime ou mesmo do que a soma de crimes contra a humanidade possibilitados por ela. Pois, ao suprimir – por redução silenciosa do homem a um produto industrial – a “essência” do ser humano, a objetivação mantém aberta a possibilidade de volta do abominável, mais que isso, ele torna problemático o próprio conceito de crime contra a ‘humanidade’.”
[vii]

No entender de Loparic, a ética heideggeriana não se apresenta como uma alternativa, nem um remédio baseado em princípios metafísicos contra os malefícios, por meio de ações. Nem se preocupa com as privações ônticas, sendo, contudo, uma ética que se preocupa com os princípios que se encarregam do cuidar do existir humano. Este questionamento levanta uma dúvida sobre o modo que a dor é tratada, de modo universal e sistemático, tal como se fosse uma dor intramundana, que poderia ser deferida por algum procedimento tanto de razão instrumental ou razão prática. (LOPARIC, 2001, p. 71)

Esta ética do morar, para Loparic (2001), aponta para um espaço que deve-ser-mantido aberto com exclusividade para o existir do homem, no qual escape ou minimize os efeitos da sua objetivação absoluta pela razão. Duarte (2000), por sua vez, mostra que o “solipsismo existencial”, o isolamento do “si-mesmo decidido”, de um ser quanto aos outros, contém uma não exigência de uma fundamentação última da ação ética. A obra contém em si algo que lhe pode uma nova reavaliação pós-metafísica, no sentido de se chegar a uma ética da precariedade, cuja explicação é:
[viii]

“Uma ética da precariedade é desprovida de fundamentos últimos ou procedimentos intersubjetivos capazes de assegurar critérios transcendentais infalíveis de validação da qualidade ética da conduta humana, pois se assenta no reconhecimento da finitude constitutiva do homem. A consideração do ‘ser-para-a-morte’ como o ‘modo de ser mais próprio’ do Dasein não implica a irresponsabilidade ética para com os outros, mas tem seu aspecto positivo a liberação da amizade como o modo próprio da relação ética, inspirando em agir cauteloso e resistente a quaisquer sistemas teóricos que definam padrões últimos quanto à moralidade do agir.”
[ix]

Então, a ética da precariedade nada mais seria que um efeito colateral oriundo do momento em que o ser se reconhece como finito e consciente de si mesmo, como Dasein. Nesta circunstância, na qual sua “existência” é “lançada” no mundo vindo a “projetar-se”, não possui fundamentos últimos ontológicos. Portanto, inviabiliza qualquer tentativa teórica de se tentar fundamentar, em termos morais ou cognitivos, os seus projetos mundanos. (DUARTE, 2000, p. 74)

Mesmo não sendo irreal ou inexistente, esta ética da precariedade numa poderia ser exteriorizada como uma norma nem levada aos seus fundamentos últimos, pois só é possível – tal como seu potencial ético – pela não incidência de garantias transcendentais, quaisquer que sejam.
[x] Este solipsismo existencial, presente em “Ser e o tempo”, não esteriliza a base na qual as relações éticas são possíveis, porque abre “a possibilidade de que o ‘si-mesmo’ e o ‘outro’ sejam, pela primeira vez, encontrados de maneira própria”[xi] .


II – SINTOMA DA DESORIENTAÇÃO



Para Heidegger, a procura por uma ética nada mais seria que a desorientação que o homem teria, na modernidade, porque depositou toda sua confiança na técnica, com suas atividades de massificação, planejamento e organização. Deste modo, o homem não mais saberia agir porque todo seu comportamento foi moldado pelos preceitos e regras da técnica. Ele afirma a necessidade de se pensar no ethos como a morada do homem, algo mais importante que a imposição e o seguimento de regras. (DUARTE, 2000, p. 77-78)

De acordo com Duarte, o caráter ético da analítica se mostraria no momento em que o Dasein (para consigo) deve abrir o outro como outro, que, em suas palavras, remonta a uma conexão que, calcada em isenção justa, liberta o outro em sua liberdade para si mesmo.
[xii]

Além, das considerações sobre a interferência da técnica no modo de viver do homem e de suas preocupações em despachar o fundamento último, outro aspecto relevante para Heidegger é a angústia, que, a seguir, Duarte explica:

“A angústia é a angústia diante do ‘ser-no-mundo como tal’ e, nela, o manual intramundano e a coexistência dos outros ‘afundam’ temporariamente na ‘insignificância’ (Unbedentsamkeit), a tal ponto que o mundo das ocupações e preocupações em que o Dasein cotidianamente decai, ao mostrar-se por um instante em seu ‘nada’, deixa de operar como o horizonte da interpretação pública de si, dos entes intramundanos e dos outros. A angústia revela o Dasein como ‘ser-possível’, como ‘ser-livre para a liberdade de escolher-se e apreender-se, trazendo-o para diante da possibilidade que ele já é.”
[xiii]

Por meio da angústia, o Dasein toma compreensão da própria morte, revelando o “ser para a morte”, de quem foge quando se ocupa ou se preocupa. Ninguém pode ser substituído no advento da própria morte. O Dasein só existe quando dá a si mesmo esta possibilidade. “A modificação existenciária que arranca o Dasein do si-impessoal e o entrega a si mesmo em sua propriedade dá-se como a ‘recuperação de uma escolha’, pois apenas quando escolhe o escolher ele torna possível o seu próprio poder-ser.”
[xiv]

A liberdade de não escolher implica numa abertura para outras possibilidades existenciárias, no entanto, não se trata de um mero alívio, mas uma continuidade em abdicar tudo aquilo que não escolheu, devendo suportar, portanto, a decisão de não ter escolhido outras possibilidades. (DUARTE, 2000, p. 91) A consideração com os outros se dá como Dasein decidido, pois ele se reconhece como em débito com os demais. Em posse desta consciência, escolhida, haverá uma possibilidade existenciária de ser bom.
[xv]


CONCLUSÃO

Heidegger não explicitou nem manifestou interesse em elaborar uma ética. Porém, sua obra, ao demonstrar que “o cuidado de si é também o cuidado do outro”
[xvi], deixa margem para interpretações de que haveria um conteúdo ético em suas mensagens. Afinal, a consideração por si mesmo e a sua relação com os outros é, em si, uma maneira de encarar o indivíduo como parte de um corpo social, em que deve, antes de tudo, saber como agir junto ao outro. Entretanto, antes de se estabelecer regras ou normas, Heidegger mostra que é necessário conhecer o ser, para que ele seja responsável a aja em si, de uma maneira que não se sinta culpado, ou sobrecarregado, por culpas, faltas ou omissões. Muito pelo contrário, basta que ele tenha noção da sua entrega à própria e inevitável finitude.


BIBLIOGRAFIA

BICCA, Luiz. Ipseidade, angústia e autenticidade. Síntese nova fase, vol. 24, n.º 76. Belo Horizonte (MG), 1997. pp. 11-36.
DUARTE, André. Por uma ética da precariedade: sobre o traço ético de Ser e o Tempo. Natureza humana, vol. 2, n.º 1. 2000. pp. 71-101.
HEIDEGGER, Martin. O ser e o tempo. vol. 1 e 2. 11ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2002. Traduzido por Márcia de Sá Cavalcante.
LOPARIC, Zeljko. Ética da finitude, in: Manfredo A. de Oliveira (org.), Correntes fundamentais da ética contemporânea. 1ª ed. Petrópolis (RJ): Editora Vozes, 2000. pp. 65-77.

[i] Em português, o livro foi intitulado “O ser e o tempo”. Neste texto, utilizou-se a 11ª edição, da Editora Vozes.
[ii] LOPARIC, Zeljko. Ética da finitude, in: Correntes fundamentais da ética contemporânea, p. 65.
[iii] Idem, ibidem, p. 69.
[iv] Idem, ibidem, p. 70.
[v] Idem, ibidem, p. 71.
[vi] Idem, ibidem, p. 71.
[vii] Idem, ibidem, p. 71.
[viii] DUARTE, André. Por uma ética da precariedade: sobre o traço ético de Ser e o Tempo, in: Natureza humana, vol. 2, n.º 1, p. 101.
[ix] Idem, ibidem, p. 71.
[x] Idem, ibidem, p. 74
[xi] Idem, ibidem, p. 75.
[xii] Idem, ibidem, p. 86.
[xiii] Idem, ibidem, p. 89.
[xiv] Idem, ibidem.
[xv] Idem, ibidem, pp. 96-97.
[xvi] Idem, ibidem, p. 100.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Liar Game - a moral reversa no jogo dos mentirosos


Na vida prática, temos máscaras sociais que utilizamos conforme nossas conveniências. Fingir ou dissimular parece ser mais regra que a exceção. Agir de modo honesto e correto, como manda o figurino, é coisa de “babaca”. Imagine-se numa situação em que quem sabe mentir melhor será o vencedor.

Agora, imagine uma pessoa totalmente honesta que é jogada no meio desse jogo de mentiras. Essa é a trama de “Liar Game”, o jogo dos mentirosos, uma minissérie japonesa baseada num mangá (revista em quadrinhos), veiculada pela TV Fuji de abril a junho de 2007.

A moça ingênua Nao Kanzaki, vivida por Erika Toda, recebe subitamente uma maleta com 100 milhões de ienes. Junto com ela, vem uma carta lhe informando que foi selecionada para o “Liar Game”. Na primeira rodada, ela enfrenta seu professor de infância. Aí que começam as decepções.

Nao pede auxílio a um psicólogo recém-liberto da prisão, Shin’ichi Akiyama (Shota Matsuda), profundo conhecedor do comportamento e do lado sombrio do ser humano. Akiyama foi preso por levar à bancarrota um grupo empresarial que tirou proveito da sua mãe - também extremamente honesta, como Nao - que preferiu cometer suicídio a deixar dívidas para ele. A dupla Akiyama e Kanzaki vive o thriller psicológico ao longo de 11 capítulos.





Nao é sempre surpreendida negativamente por ser muito boa. Ela é sempre xingada de “baka” (boba, idiota, em japonês) por ser aquilo que as pessoas dizem ser mas na verdade tiram sarro. Qual é a moral de hoje em dia? Aparentar ser bom, ou fingir ser bom e levar vantagem em tudo no final das contas?

A moral é relativa no tempo e no espaço. E a ética é a ciência, ou parte da filosofia, que estuda a moral. Aquilo que alguns consideram moral numa determinada época e região pode ser considerada imoral em outra época ou região.





Então, a moral no “Liar Game” era mentir, enganar, dissimular e se fazer vencedor, custasse o que custasse. Nao, a garota “boba e inocente”, no final das contas e naquele contexto, seria a imoral. A norma fundamental nesse jogo era ganhar, alicerçando-se no individualismo extremo, que levaria à violação de normas que, no mundo exterior, seriam consideradas como “morais”.A reflexão ético-filosófica não é tão fácil assim, né? O mundo está cada vez mais complicado. Está na hora de você começar a ler... Livros. Ou pensar muito bem naquilo que se está fazendo. Certo ou errado?

terça-feira, 21 de julho de 2009

CICLOS IMIGRATÓRIOS, GERAÇÕES NIPO-BRASILEIRAS E A SUA INFLUÊNCIA ÉTNICA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO



Este texto foi utilizado para fins de uma palestra na Escola Municipal Getúlio Vargas, em Sorocaba (SP), em evento da Secretaria Municipal da Cultura, a respeito do Centenário da Imigração Japonesa para o Brasil, em abril de 2008.





INTRODUÇÃO




No total, foram três grandes ciclos imigratórios do Japão para o Brasil. Os imigrantes e descendentes também deixaram as suas marcas no Brasil. Os nikkeis, como são chamados os japoneses e descendentes, chegaram até a sexta geração no Brasil (rokussei). Mas para fins deste texto, discorrer-se-á da primeira à quarta geração.




I – CICLOS IMIGRATÓRIOS




Pois bem, retomando. Diante do excedente populacional do Japão, o desemprego e a miséria, decorrentes, entre outros fatores, da industrialização forçada promovida pelo imperador Meiji, uma saída encontrada pelo governo foi a imigração de japoneses para outros países, entre eles, o Brasil.




1.1. 1º Ciclo Imigratório




Pode-se falar em três grandes períodos imigratórios do Japão para o Brasil. O primeiro período foi de 1908 a 1924. Aliás, foi em 18 de junho de 1908 que chegou ao Brasil o navio Kasato-Maru, que trouxe os primeiros imigrantes japoneses para o Brasil. Uma curiosidade é que o Kasato-Maru era um navio hospital da Rússia, que foi capturado pelas forças armadas japonesas e, posteriormente, convertido para outros fins, como o transporte de pessoas e mercadorias.


A maior parte desses imigrantes – que vieram no Kasato Maru – era constituída de pessoas pobres, vindas das províncias de Okinawa, Kagoshima, Fukushima, Kumamoto, Hiroshima, Miyagi, Tokyo, Niigata, Yamaguchi e Ehime.


Ademais, como será falado posteriormente pelo Sr. Umeda, em Sorocaba (SP), está em andamento o projeto Parque Kasato-Maru. Será uma praça com temática japonesa que será implantado na esquina das avenidas Antônio Carlos Cômitre e Washington Luiz. Trata-se de uma parceria entre a Prefeitura de Sorocaba e Ucens, em homenagem ao Centenário da Imigração Japonesa.


Nesse primeiro ciclo imigratório, de 1908 a 1924, aproximadamente 13 mil japoneses vieram ao Brasil. A maior parte vinha para o Estado de São Paulo para trabalhar nas lavouras de café, tanto que o Governo de São Paulo bancava o transporte dos imigrantes. Desses imigrantes, de 30% a 50% eram destinados à Zona Velha do Café, ou seja, na parte central de São Paulo, de norte a sul, e na borda oriental do Planalto Central Paulista.




1.2. 2º Ciclo Imigratório




No segundo ciclo imigratório, de 1924 a 1941, vieram cerca de 158 mil japoneses para o Brasil. Nessa época, não era mais o Governo de São Paulo que bancava o transporte, mas o próprio Governo Japonês. Nos idos de 1930, os japoneses já eram o mais numeroso grupo de imigrantes estrangeiros. De 21% a 35% desses imigrantes foram direcionados para a Zona Velha do Café e para a Alta Paulista.


Mas essa numerosidade foi diminuindo paulatinamente até o advento da segunda guerra mundial. Até parar por completo. Cabe falar um pouco da repressão do Governo Getúlio Vargas aos japoneses e descendentes nesse período sombrio da história. Era proibido, por exemplo, se comunicar em idiomas estrangeiros em todos os sentidos. A comunidade nipo-brasileira foi a mais afetada com isso. Não se podia ler, falar ou se escrever em japonês, sob pena de reprimenda dos órgãos repressivos do Estado Novo de Getúlio Vargas.


Os imigrantes japoneses foram retirados de cidades portuárias e de partes da capital paulista e transferidos para o interior do Estado de São Paulo, por uma questão de “segurança nacional”.


Eles ficavam sem noção alguma do que se passava em seu redor, já que muitos não tinham conhecimento do idioma português. Nem se preocupavam em aprender, pois pretendiam retornar ao Japão. A vida no Brasil era apenas uma aventura para arrecadar dinheiro, conforme seus planos originais.


Dessa forma, ficavam isolados das notícias a respeito da guerra e outros acontecimentos nacionais e internacionais. Esse isolamento, o tratamento racista por parte do Estado e a falta de conhecimento ocasionou uma situação que, se analisada hoje, é engraçada. Alguns desses japoneses não acreditavam na derrota do Japão na 2ª Guerra Mundial. Diziam que isso era propaganda enganosa dos aliados para desmoralizar o espírito japonês. Eram denominados “vitoristas”. Por outro lado, havia aqueles que acreditavam na derrota japonesa na 2ª Guerra Mundial, os “derrotistas”.


Dentre os vitoristas, surgiu uma facção denominada “Shindoo Renmei”, a liga dos súditos do imperador. Um grupo que disseminava boatos sobre a vitória japonesa na 2ª Guerra Mundial e planejava atentados terroristas e assassinatos de derrotistas. O impacto da Shindoo Renmei foi tão forte que a Constituinte de 1946 pretendia barrar definitivamente a imigração japonesa para o Brasil. Isso só não ocorreu por causa de um voto contrário, o voto de minerva do presidente da Constituinte.


Essa história pode ser analisada com maior profundidade nos livros “Corações Sujos”, do jornalista Fernando de Morais, e “O Súdito”, do também jornalista Jorge Okubaro.




1.3. 3º Ciclo Imigratório




O terceiro ciclo imigratório iniciou-se em 1952 e terminou em 1973. Houve a retomada da imigração em massa, com a entrada de 46 mil japoneses no Brasil. Nessa época, os japoneses e descendentes na zona urbana já ultrapassava a da zona rural. De 23% a 29% desses imigrantes se dirigiram para a capital paulista e grande São Paulo, e também para o norte do Paraná e para a Alta Paulista.


Aos poucos, os imigrantes japoneses e seus descendentes foram se integrando à sociedade brasileira. Conforme censo de 2000, segundo o estudo “Trabalhando no Brasil – Características da População de Origem Japonesa”, do IBGE, os japoneses e descendentes são, no total, 1.435.490 pessoas, representando 0,84% da população brasileira.








II – AS GERAÇÕES




A seguir, se traça um breve perfil das quatro principais gerações de nipo-brasileiros retratadas na pesquisa da historiadora Célia Oi citada na Revista Veja de 12 de dezembro de 2007.




2.1. Issei




São chamados isseis os imigrantes que chegaram ao Brasil, principalmente, entre 1908 e 1973. Têm faixa etária entre 35 e 100 anos, constituindo 12% da comunidade nipo-brasileira. Nenhum deles é miscigenado. A maioria deles se dedicou à agricultura, comércio e prestação de serviços.




2.2. Nissei




Os nisseis são os filhos dos imigrantes japoneses. Essa geração, em regra, sofreu na pele a discriminação da II Guerra Mundial e fez seus pais, de certa forma, desistirem de retornarem ao Japão para aqui fincarem raízes. Os nisseis têm entre 15 e 80 anos, sendo que 6% deles são mestiços, quer dizer, têm pelo menos um ascendente não japonês. Geralmente, os nisseis mais velhos são agricultores, comerciantes e prestadores de serviço. Os nisseis mais novos, técnicos e profissionais liberais, nas áreas biológicas e de exatas. São 31% da comunidade nipo-brasileira.



2.3. Sansei




Os netos dos imigrantes são chamados de sansei, a terceira geração. São eles que chegaram em maior número às universidades. Representam 41% da comunidade nipo-brasileira, com faixa etária, geralmente, menor a 50 anos. A maioria é constituída de profissionais liberais em exatas e biológicas, sendo que 42% deles têm pelo menos um ascendente não-japonês.




2.4. Yonsei




A quarta geração, dos bisnetos dos japoneses, são chamados de yonseis. Eles são 13% da comunidade nipo-brasileira. Usualmente, sua faixa etária é menor que 35 anos. É a geração mais miscigenada de todas. Pelo menos 61% deles têm um ascendente que não seja de origem japonesa. Os yonseis são estudantes e profissionais liberais em exatas, biológicas e humanas.




III - MOVIMENTO DEKASSEGUI




Como todos sabem, o Brasil foi assolado por uma inflação galopante por volta de 1980. Os preços em alta a todo momento, a perda do poder aquisitivo dos salários e o fantasma do desemprego eram comuns a todos os brasileiros. No fim dos anos 80, iniciou-se timidamente aquilo que se denominou fenômeno dekassegui. Brasileiros, descendentes de japoneses ou casados com descendentes de japoneses, se dirigiram ao Japão para trabalharem, geralmente, como mão-de-obra barata, para depois retornarem para cá.


Com a mudança da legislação de imigração japonesa em 1990, o fluxo dekassegui foi de certa forma regularizado. Atualmente, segundo estimativas do Ministério da Justiça, há 302 mil brasileiros trabalhando no Japão. De acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cada dekassegui, ao retornar ao Brasil, poupou cerca de US$ 70 mil. Por ano, os dekasseguis enviam ao Brasil aproximadamente US$ 2,7 bilhões. Essa quantia cresce 15% ao ano.


As maiores concentrações de brasileiros se encontram nas cidades japonesas de Aichi, Shizuoka e Gunma. Os brasileiros são o terceiro grupo de estrangeiros em quantidade no Japão, atrás apenas dos coreanos e dos chineses. Há uma rede de serviços e produtos postos à disposição dos brasileiros no Japão, desde rede bancária, jornais, revistas, produtos alimentícios e até uma afiliada da Rede Globo de Televisão.


Um pequeno parênteses. Parece ironia do destino. Os avôs e antepassados desses brasileiros vieram do Japão para o Brasil também com o espírito dekassegui. Ou seja, trabalhar no Brasil para voltarem ricos para o Japão. Muitos deles acabaram abandonando essa idéia e adotaram o Brasil como pátria. Dos 190 mil japoneses que vieram para o Brasil antes da II Guerra Mundial, apenas 19 mil retornaram para o Japão.





BIBLIOGRAFIA

MAGALHÃES, Naiara. Os isseis. Revista Veja. Ed. 2.038, 12 de dezembro de 2007. URL: HTTP://veja.abril.com.br/121207/p_082.shtml

____. Os nisseis. Revista Veja. Ed. 2.038, 12 de dezembro de 2007. URL: HTTP://veja.abril.com.br/121207/p_086.shtml
____. Os sanseis. Revista Veja. Ed. 2.038, 12 de dezembro de 2007. URL: HTTP://veja.abril.com.br/121207/p_088.shtml
____. Os yonseis. Revista Veja. Ed. 2.038, 12 de dezembro de 2007. URL: HTTP://veja.abril.com.br/121207/p_090.shtml
OKUBARO, Jorge J. O Súdito: banzai, Massateru! São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2006.
SAKURAI, Célia. Os Japoneses. São Paulo: Contexto, 2007.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Compra de imóveis: quando é preciso consultar um advogado


Raramente se procura um advogado antes de se efetivar um negócio, o que geralmente leva a um tortuoso caminho em busca de sanar um problema já instalado, quando simples medidas preventivas evitariam tantos transtornos.

Um exemplo típico disso é a compra de imóveis. Não se trata de desprezar os profissionais do ramo imobiliário, porém, um advogado é imprescindível na interpretação de contratos, certidões e outros documentos que garantam a segurança do seu cliente.

Por vezes, consultar um advogado previne gastos desnecessários devido à insegurança de um negócio levado às pressas, sem maior exame. Há todo um trâmite burocrático na compra de imóveis que deve ser levado em consideração para que o comprador não sofra prejuízos.

Entre outras particularidades há necessidade, por exemplo, de se verificar se o imóvel está em alguma pendência judicial, se há tributos não pagos incidentes sobre o mesmo, se aquele que se diz proprietário realmente o é, e se o imóvel está em situação regular perante os órgãos competentes.

Decerto há ações judiciais específicas para resguardar o direito do comprador, no entanto o melhor é se resguardar, evitando não só os riscos patrimoniais mas também e principalmente ser surpreendido.

Não se trata de o advogado optar por este ou aquele imóvel, interferindo sobre a vontade do cliente, mas simplesmente informar-lhe devidamente sobre os riscos jurídicos envolvidos e de se estudar a maneira mais viável de realizar a compra do modo mais seguro possível.

Em caso de dúvida, procure sempre um advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Melhor perguntar antes, do que ter prejuízo depois.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

O Fera e a Bela: uma entrevista com João Moshin & Cláudia



A música tem uma beleza capaz de domar as feras. O que ocorre quando o Fera e a Bela se juntam? Um show espetacular. Assim, se pode descrever a performance da dupla João Moshin & Cláudia. Isso é possível só para quem está na boca da mídia? Não. Eles provam que podem fazer isso, mesmo sendo gente como a gente, que trabalha de segunda a sexta-feira e pica cartão, no horário de entrada e saída. Mostram que é possível ralar a semana inteira e ainda aos finais de semana trabalhar mais e se divertir, fazendo o que gostam. Mais do que arte, o dom musical, para ambos, é a manifestação de algo muito maior que os transcende: é reverenciar a Graça Divina.

Cláudia

Cláudia ganhou seu primeiro pianinho aos 3 anos. Aos 8 anos, começou a participar do coral da escola. Escrevente no Fórum local, a cantora também não dispensa um filme. Assiste pelo menos um por dia. A moça tem sorte, muita sorte. Afinal, seu namorado, Ricardo Gomes, é dono de videolocadora (CM Vídeo). Mesmo assim, Cláudia e o namorado não dispensam um cineminha, umas duas vezes por mês pelo menos.

Apesar da correria do cotidiano, Cláudia consegue dividir seu tempo entre o trabalho, os pais e o namorado para agraciar os ouvintes com o dom divino das suas emanações locais. Mas Deus não revela os dons para os servos que têm preguiça de se aperfeiçoar. Cláudia estudou piano dos 10 aos 16 anos, com uma maestrina, em Sorocaba (SP), e no conservatório de Tatuí (SP). Na época, dava aulas de piano. Também lecionou canto. Hoje, porém, não tem mais tempo. Ensina só o irmão dela, que gosta de pagode. “Não gosto”, esclarece Cláudia. Já dizia o velho ditado popular que gosto não se discute. Respeita-se, pois o clima é democracia.

João Moshin

Acompanhado do violão ou do teclado, a timidez de João Moshin fica de lado e o vozeirão encanta os ouvintes. Sem comer cebolas, como aquela famosa piada infame e sem graça, ele é, realmente, um cantor garantido, garante o espetáculo e a acaricia os tímpanos dos ouvintes.

Casado com Celina, é pai de Priscila e de Bianca. Sempre simples e esperançoso, ele diz que além de Deus, O Todo Poderoso, completa o lar a cachorrinha poodle Jully.

Gente finíssima – quer dizer, além de magrinho, é muito legal também -, já apareceu no “Jô Soares Onze e Meia”, na época do SBT, foi personagem de publicidade na televisão e vira e mexe anima festas, casamentos, mais bares e restaurantes de Sorocaba e região. “O Jô me chamou de Fujimori. Todos caíram na gargalhada”, lembra.


Confira, um bate-papo com João Moshin e Cláudia.


PERGUNTA - Quando e como despertou seu interesse por música?

JOÃO MOSHIN IOBIKU - Minha mãe que infelizmente partiu cedo – em 1974, quando ela tinha 45 anos e eu, 14 anos -, dizia que desde bebê eu já me interessava em música. Quando comecei a andar, ao ouvir música, começava a dançar. Lembro-me vagamente que mamãe ao fazer os afazeres domésticos cantarolava canções japonesas. Não me lembro das músicas, mas certamente eram do dialeto Okinawa. Minha filha Priscila, gosta de cantar e é muito afinadinha, mas é muito inibida. Por enquanto, solta sua voz aqui em casa quando estamos só nós. A Bianca é mais extrovertida, quem sabe futuramente pinte algum interesse musical . . . A Celina, minha esposa, só aprecia a música, também me ajuda a compor os repertórios e agendar os compromissos.

PERGUNTA - Quem é Cláudia, a cantora e no cotidiano? Como foi seu primeiro contato com a música?

CLÁUDIA - Sou funcionária pública desde 1992. Trabalho no fórum como escrevente. Além da música, tenho uma paixão muito grande por filmes. Assisto pelo menos um filme por dia. Eu namoro. Não moro com meus pais. Mas não consigo ficar um dia sem vê-los. Eu os vejo todos os dias, sim. Nós nos amamos muito e não ficamos sem nos falar, nem nos ver. Pode ser que o fato da criação influa também, mas do lado positivo. Tenho o maior respeito por eles e quando tiver filhos gostaria que eles também tivessem por mim e tenham o maior orgulho de mim como tenho dos meus pais. Desde muito pequena. Quando tinha 3 anos, ganhei meu primeiro pianinho. Meu pai me gravava desde essa idade cantando, num gravadorzinho que ele tinha. Comecei a participar do coral da escola em que estudava aos 8 anos.

PERGUNTA - Quais instrumentos você toca? Como começou a tocar cada um deles?

JOÃO MOSHIN - O instrumento de paixão mesmo é o violão. Também toco o teclado, mais pelos recursos que oferece. Por volta dos 15 anos, estudava na Instituto de Educação Estadual Júlio Prestes de Albuquerque (IEEJPA). Na época do antigo ginasial, tinha um amigo, chamado Leôncio Ruiz Filho, que me emprestou um violão. Não sabia tocar nada, foi mais para conhecer o instrumento. Estava na sala de casa, quando, ao levantar, bati a lateral do violão numa mesinha de centro e infelizmente ou felizmente, sei lá, quebrei o dito cujo. Comprei um violão novo para ele e fiquei com o quebrado, remendado com fita isolante. A partir daí começou o namoro que perdura até hoje. Comprava aquelas revistas de músicas cifradas (VIGU) e praticamente aprendi tudo sozinho. Quanto ao teclado tive aulas por um período no Piano Center, em 1997, e depois também comecei a estudar sozinho o instrumento.

PERGUNTA - Qual a sua formação musical? Qual o seu método para lecionar música?

CLÁUDIA - Estudei piano dos 10 aos 16 anos, com uma maestrina em Sorocaba (SP) e no conservatório em Tatuí (SP). Durante esse período dava aulas de piano. Ultimamente, não tenho tempo para dar aulas. Só ensino meu irmão. Ele adora pagode, mas eu não gosto. Quando costumava dar aulas, procuro imaginar o que o aluno tem em mente e o que ele gosta. Assim, as aulas ficam mais agradáveis. A maioria gosta de cantar música sacra. Eu sempre cantei na igreja, os alunos me conheceram por lá também. Então, a maioria deles canta em missas. Depois, verifico quais são as dificuldades do aluno, se é dicção, audição ou ritmo. Aí, trabalho com para sanar a sua dificuldade. Só desse jeito o aluno consegue cantar melhor. Há pessoas com vozes bonitas, mas quem ouve não entendem o que cantam. Nesse caso, trabalha-se a dicção. Outros “entram” fora do tempo, O problema dela é o ritmo. E assim por diante.

PERGUNTA - Você é bem conhecido em Sorocaba. Como tudo começou?


JOÃO MOSHIN - Comecei tocando nas missas dominicais, participava de Festivais de Música Sacra e outros Festivais na cidade e região, inclusive as do Clube Recreativo, aqui em Sorocaba (lembro que, entre outros, participavam Milton Carlos, Celso Viáfora e Genésio Sampaio). Participei do Grupo de Jovens "Jofra" (Jovens Franciscanos) da Igreja Bom Jesus, no bairro Vila Hortência. Foi o primeiro grupo amador a se apresentar e a lotar o Teatro Municipal Teotônio Vilela, com a peça "Francisco, o Ato Eterno", cuja trilha musical foi composta por mim, Rubinho (como Francisco, ator principal) e Hamilton Sbrana (texto e direção). Gostava das noitadas. Onde tinha música ao vivo estava lá para ouvir e também aprender. Aos poucos fui me enturmando com os músicos e no intervalo pedia para dar uma canja, mas sempre como músico, pois no começo apenas tocava. De 1989 a 1991 arrendei o bar no meu tio Francisco Moko Yabiku, que se chamou Shogun - Piso Superior. Foi lá que comecei a cantar mais, junto com os amigos Luis Baldini e Diogo. Eu me apresentei ainda no Restaurante Villa Moreno, Kanakauê, Cachaçaria, Bar Flamingo, Porções, American Bar do Ipanema Clube, Shopping Esplanada, Shopping Plaza de Itu, Bar e Restaurante Baco de São.Roque, Restaurante Fiorentina e Spa Campus.

PERGUNTA - Qual o seu passado musical?

CLÁUDIA - Já fui professora de canto pelo curso ministrado pela Arquidiocese de Sorocaba. Comecei cantando em festivais de música sacra aqui em Sorocaba e nas cidades do interior paulista como Osasco, Guarulhos, Suzano, Cruzeiro e em Varginha (MG). Além de intérprete eu compunha as músicas.

PERGUNTA - Hoje em dia, onde vocês tocam?

JOÃO MOSHIN – Atualmente, temos feito mais cerimônias em Igrejas e Recepções de casamentos.

PERGUNTA – Mudando de assunto e sem quer ser machista ou coisa do tipo, Cláudia. Seu marido lhe acompanha nos shows? O que ele acha da sua atividade?

CLÁUDIA - Meu marido, o Ricardo, não me acompanha por dois motivos: ele trabalha até tarde e nos shows eu estou trabalhando. Seria a mesma coisa se ele ficasse na locadora, e eu ficasse do lado, vendo-o trabalhar. Não dá, gente! Mas nós nos vemos todos os dias. Mesmo depois dos shows, até quando acaba às 2h00 horas. Às vezes, ele vai comigo aos shows. Quando é em outra cidade, eu peço para ele ir comigo, pois não gosto de dirigir à noite nas estradas. Mas só quando é assim. Não é nada legal ficar sentado num lugar em que você não conhece ninguém, esperando que a festa acabe.

Mas ele adora o fato de eu cantar. È meu fã número um. Todas as músicas que o João grava e me manda ele tem gravada também e fica ouvindo. Ele me pede pra tocar violão e cantar pra ele e coisa e tal. Além de tudo, torce pra que tudo dê certo e me incentiva a cantar. Eu acho que se rola ciúmes é bem pouco. Ele confia em mim. Sabe que não extrapolo em nada, principalmente na maneira de me vestir.

PERGUNTA – Nesse sentido, qual é a dica que você dá para as mulheres?

CLÁUDIA –
Acho isso muito importante falar disso. Você precisa ser chique e discreta, elegante sem ser sensual, pois você está trabalhando. Sinceramente eu sou muito mais ciumenta que o meu namorado.

PERGUNTA – Bom, voltando ao fio da meada. João, quais foram suas parcerias mais memoráveis?



JOÃO MOSHIN – Tive e tenho inúmeras parcerias com músicos daqui, inclusive toquei um bom tempo com a Banda MPM. Quanto às memoráveis apresentações, uma delas foi a apresentação no Programa Jô Soares Onze e Meia, em 1997 quando ainda era no SBT. Eu participava do "Eu Show a Lei", um musical beneficente, produzido por um grupo de advogados, o interessante é que num repente, durante a entrevista com a advogada Lilian Rose, o Jô me abordou e disse: "E o Fujimori. O que está fazendo aí no meio?" Foram só risos. Uma outra memorável apresentação foi em 1995, em Salto de Pirapora (SP). Na época, trabalhava naquela cidade e ganhei o Festival de Intérpretes, na modalidade Música Popular. O prêmio caiu do céu pois, além do troféu, desembolsei R$ 2 mi, que usei para trocar de carro.

PERGUNTA - Como foi formada a dupla João Moshin e Cláudia?

CLÁUDIA - O João estava procurando uma cantora que quisesse realmente formar uma dupla. Na época, eu não estava cantando em banda alguma. A cantora que cantava com o João (a Gabriela), que também trabalha no fórum, ficou grávida. Lá no fórum mesmo, ela soube que eu também cantava e me perguntou se poderia passar o número do meu telefone para o João. Ele ligou e marcou um dia para cantarmos na casa dele. Combinamos e deu certo. Isso ocorreu em maio de 2004. A partir daí, a dupla está caminhando muito bem.

PERGUNTA - Você tem notadamente uma influência MPB bem acentuada, mas navega também por outros estilos musicais. Quais foram suas influências do passado e de hoje?

JOÃO MOSHIN - Sempre gostei de Chico, Caetano, Gil, Djavan, Fagner, Tom e outros tantos. Passava horas e horas escutando e tentando tocar igual. A maior satisfação era conseguir reproduzir "aquele acorde" diferente. Hoje, não me prendo por esse ou aquele estilo, pois o que mais faço hoje é tocar em Festas e Casamentos e aí rola de tudo, de Frank Sinatra a Frank Aguiar.

PERGUNTA - Como você monta o seu repertório?

JOÃO MOSHIN - O repertório tem tudo a ver com sua sensibilidade, pois cada ambiente e cada dia são momentos diferentes. Por isso, não tenho um repertório pré-estabelecido, vou seguindo conforme o andamento da festa ou ambiente.

PERGUNTA - No que se baseia o repertório da dupla?

CLÁUDIA - Nós cantamos de tudo. Como fazemos festa, o repertório precisa ser bem variado. Cantamos músicas românticas, MPB, forró, boleros, country, anos 60, anos 70, axé, pop e quase tudo o que toca nas rádios e faz sucesso.

PERGUNTA - Como rolou aquele negócio de você ser garoto propaganda de uma empresa? Foi bom para você arranjar mais shows?

JOÃO MOSHIN - Na época, a empresa do ramo imobiliário "Emaximóvel" instalava uma filial aqui em Sorocaba, com sede em Osasco (SP). Ela procurava uma pessoa nipônica conhecida na cidade para fazer uma propaganda divulgando o slogan da empresa: "Aluguel garantido!”. Disseram que procuraram várias pessoas, mas como o japonês normalmente é mais fechado e tímido, ninguém aceitava fazer o papel. Numa vez, uma funcionária da empresa me viu tocar num bar e me convidou para fazer um teste. A princípio, não aceitei, mas diante da insistência e vendo a sua dificuldade, acabei fazendo o comercial, que foi um sucesso, pois compraram o horário mais caro da época, intervalo da “novela das oito”, da Globo, e Faustão. Vivi, por um tempo, momentos de fama, pois todos me reconheciam. O cachê não foi muito, mas foram os 30 segundos mais bem pagos da minha vida. Para a Empresa também deu um grande retorno, tanto que, quando passo por lá, os donos dizem que até hoje os clientes lembram e comentam da propaganda.

PERGUNTA - Num breve relato: o que é tocar e cantar para você?

JOÃO MOSHIN - O poder da música é indescritível. Para mim, tocar e cantar é um dom que Deus me deu de passar emoções a outras pessoas e sempre agradeço por isso.

PERGUNTA - Então, para você, cantar é como rezar, uma maneira de se reverenciar a Graça Divina?

JOÃO MOSHIN - Realmente você traduziu tudo que sinto. Conforme relatos anteriores não dá para ficar indiferente, pois Deus, quando mais precisei, sempre esteve presente, quer num prêmio de festival, quer num cachê de comercial. Cada vez que lembro desses episódios fica clara a Sua presença, basta querer enxergar.

Você pode pensar que estou bem de bolso, mas infelizmente não dá para viver só de música. Às vezes é cansativo, mas no País em que vivemos, agradeço por ter dois empregos.

PERGUNTA – E para você, Cláudia? O que é cantar?



CLÁUDIA - É como me transformo. Sou eu mesma, mas sou mais feliz. Acho que é uma manifestação divina também, pois é necessário ter o dom. Assim como os pássaros cantam, por um dom de Deus, Ele também dá esse dom a alguém. E eu me sinto agraciada por isso. A dedicação nos faz ser bons músicos, aplicados, mas nunca excepcionais e talentosos. Em qualquer ramo, vemos pessoas que trabalham bem e outras que vemos que “tem o dom pra coisa”. Assim é com a música. Desde pequena demonstrei que gostava de cantar, dançar. Então com o tempo, fui aprimorando esse dom, lapidando-o para tentar ser uma boa música hoje em dia. Sempre estudo, leio e ensaio. Não paro nunca, pois nunca estamos prontos. Sempre estamos aprendendo.

PERGUNTA - E viver somente de música? Já pensou nisso? No Brasil, tem jeito, ou não?

CLÁUDIA - Eu nunca imaginei ganhar dinheiro com música. Cantar é o que sei fazer, a música entrou na minha vida muito cedo. Para mim é prazeroso. Acho que não gostaria de viver só de música. Como tenho outro emprego, no fórum, é nos finais de semana, nas festas em que canto, que me livro do estresse. Se dependesse disso financeiramente, para viver não seria tão bom. Sinto alegria em cantar e gostaria de continuar como estou, apesar de achar que alguns cantores podem muito bem viver da música. Existem amigos meus que cantam profissionalmente e só vivem disso. Mas pra mim a música é minha parceira, companheira mesmo, não queria vê-la como trabalho. Música para mim é sempre prazer e alegria.

PERGUNTA - Por que a dupla João Moshin & Cláudia dá certo?

CLÁUDIA - Acredito que é por uma série de fatores: eu e o João temos outro emprego. Isso nos faz agendar shows só nos finais de semana. Mas às vezes, há exceções. Além disso, vemos como nosso “trabalho” aquele que vamos todos os dias, batemos cartão. Aquela rotina que todo brasileiro conhece tão bem. A música é o que nos faz extravasar. Além disso, temos um respeito muito grande um pelo outro. Ensaiamos todas semanas e procuramos dar o melhor de nós no palco.

Maiores informações: http:www.joaomoshin.com.br


quarta-feira, 15 de julho de 2009

A reportagem


A reportagem é a base do jornalismo. É nessa fase em que os repórteres planejam a matéria a ser escrita, fazem a pesquisa, levantam as informações e escrevem o texto. Reportagem também pode significar um tipo de texto jornalístico. É mais aprofundada que as matérias cotidianas (como as notas e notícias).


Pode ser o fato mais importante do dia visto de vários ângulos. Exemplo: Houve uma enchente em Sorocaba. Cobertura jornalística para: o número de desabrigados; - os estragos provocados pelas águas; - o motivo da enchente; - o histórico da cidade e as enchentes anteriores; - a posição dos políticos a respeito do problema. Os dados podem ser levantados junto aos desabrigados, políticos (prefeito, vereadores, deputados), entidades (Igreja, sociedades beneficentes), bibliotecas.

Um só tema foi dividido em outros, que podem ser chamados de retrancas. Cada retranca possui uma idéia. Serve também para organizar o texto e não deixar um bloco compacto de informações, o que pode assustar o leitor. Geralmente, há uma matéria principal e outras menores acompanhando. O mais importante é que todas elas devem ter algo em comum.

O texto jornalístico não é como se fosse uma redação comum. Deve ser escrito de tal maneira que todos entendam: desde uma pessoa com baixo nível de instrução a um professor universitário. O jornalista não deve escrever o que ele acha. Deve escrever baseado nos dados que ele coletou, que devem ser interpretados com muita cautela.

Exemplo: Chega à Redação a notícia de que uma casa pegou fogo. O repórter deve checar se realmente houve ou está ocorrendo um incêndio. Basta telefonar para o Corpo de Bombeiros ou ir pessoalmente ao local. Surge um boato de que a dona da casa teria começado o fogo para receber o dinheiro do seguro. O repórter deve checar se o boato é verdade. Deve perguntar aos vizinhos e familiares como era o comportamento da mulher. Caso positivo, tome mais cautela. O caso será encaminhado a um Distrito Policial. Peça a opinião do delegado e dos bombeiros sobre o caso. Converse com a mulher que foi acusada. Antes de escrever o texto, colha todos os dados possíveis. Quando tiver segurança de que observou a maior parte dos ângulos possíveis, sente para escrever.

A partir daí, é que entram as retrancas citadas anteriormente. O repórter nunca deve esquecer a Ética. Sem ela, ele perde o prestígio e o caráter. Quando o repórter senta para escrever, já tem o texto na cabeça. Confere as anotações ou gravações e coloca os dedos no teclado.
Geralmente, o primeiro parágrafo da matéria jornalística é chamado de lead. É ele que conduz o leitor para o resto da matéria. Pode ser a parte mais importante da matéria ou o fato que mais chamou a atenção. Deve responder às questões principais em torno de um acontecimento: o quê, quem, quando, como, onde, por quê. Ele deve seduzir o leitor a continuar lendo o resto da matéria.




Exemplo de lead - tomando o caso do incêndio: Um incêndio em uma casa no Centro tirou o sono de muita gente. A casa de número 100 da rua Edward Van Halen começou a queimar por volta das 23 horas de ontem. O fogo foi controlado pelos bombeiros uma hora depois, mas a casa já estava destruída. De acordo com os bombeiros, o incêndio pode ter sido criminoso. O delegado do 55º Distrito Policial (DP), Ozzy Osbourne, disse que a dona do imóvel, Fulana de Tal, pode ter iniciado o fogo para receber o dinheiro do seguro. “Estamos investigando o caso. Mas tudo indica que Fulana tenha uma parcela de culpa”, comentou Osbourne.

O texto jornalístico deve ser vivo. Mesmo assim, o repórter não acusa, deixa os fatos falarem por si mesmos. Ele escreve tudo o que conseguiu levantar e deixa os leitores decidirem o que vão pensar a respeito. Não se pode esquecer de um detalhe: o jornalista não inventa os dados que colheu para escrever o texto.

Evite escrever adjetivos. Exemplo do que não se deve escrever: Um carro velho bateu em uma árvore enorme, que caiu no meio da rua.
Procure especificar o máximo que puder. Exemplo: O BMW 97, vermelho, placas RYU-0007, Sorocaba, bateu em uma árvore de 50 metros, que caiu no meio da rua Randy Rhoads, no Jardim Joe Satriani.

O texto jornalístico deve transmitir o máximo de informação possível. Não deve priorizar o conteúdo estético, como a literatura. Mas isso não significa que deva ser algo automático e chato de ler. Para estruturar uma matéria, baseie-se em modelos de textos de jornais e revistas. Evite utilizar o modelo congelado de cartas comerciais e documentos formais. O jornalista deve ler muito, sempre prestando atenção na informação e na estrutura do texto.

É difícil escrever em poucas páginas como um jornalista age no exercício de sua profissão. Por isso, vai aqui uma lista comentada de livros que podem iniciar, de certa maneira, alguém no universo jornalístico:

- “Manual de Sobrevivência na Selva do Jornalismo”, Luiz Antonio Mello, Casa Jorge Editorial
Explica de maneira leve e simples como é o cotidiano de um jornalista profissional.

- “Novo Manual da Redação da Folha de S. Paulo”
Mais indicado para quem já se iniciou na profissão jornalística. Em todo o caso é bom ler para se conhecer como um jornalista da Folha de S. Paulo deve escrever. Vem com vários anexos, como mapas e tabelas. Possui um planejamento gráfico arrojado.

- “Manual de Redação e Estilo de O Estado de S. Paulo”, Eduardo Martins, Editora Maltese
Voltado para o texto jornalístico. Na parte didática, é mais aprofundado que o manual citado anteriormente. O planejamento gráfico é mais tradicional, o que não significa que o conteúdo seja defasado.

- “Manual de Redação e Estilo de O Globo” - nova edição, revista e ampliada, Luiz Garcia, Editora Globo. É o mais didático de todos. Aborda desde o comportamento do jornalista à maneira como escrever uma matéria. É o mais recomendado para quem está se iniciando no jornalismo e quer deixar o texto “mais afiado”. Conta com apêndices de termos jurídicos e de psicologia e psiquiatria, entre outros.

Lembre-se o Jornalismo não é só livros. Também é experiência e diversão. O jornalista deve sentir e gostar de fazer o que faz, mesmo que isso tenha alguns custos: horário só de entrada, muita correria, tempo limitado para escrever matéria, compromissos desmarcados, etc. Todos gostariam de ser jornalistas, desde que não tivessem que ser acordados no meio da noite para cobrir algo inesperado. Ser jornalista é se empenhar para tentar trazer a melhor matéria do dia. É enxergar o mundo em forma de notícia. É ver o que todos vêem, mas não percebem ou fingem não ver. “Jornalismo é a busca de circunstâncias”, escreveu o professor e jornalista Alberto Dines no livro “O Papel do Jornal - Uma Releitura”, da Summus Editorial.

Deste livro podem ser tirados alguns conselhos passados a Dines pelo jornalista Álvaro Pacheco:

“* Cada frase deve conter uma idéia. Se você tiver idéias definidas, as frases também serão.
* Cada notícia, cada informação, cada matéria, tem palavras-chave. No jornalismo policial, é morte. No esportivo, competição. Mas em matérias menos definidas, cabe ao repórter encontrar o clima e as respectivas palavras-chave que ambientarão as informações nelas contidas.
* Quando alguém morre, o leitor quer saber sua idade e sua doença. Jornalismo é circunstância. Uma entrevista coletiva pode individualizar-se quando o repórter conseguir enxergar todas as circunstâncias que rodeiam a ocasião e as pessoas
* O jornal não acaba, sempre há um outro no dia seguinte. O êxito ou o fracasso de uma edição terminam exatamente na edição posterior.
* Há situações verossímeis que não são verdadeiras. E vice-versa. A tarefa do jornalista é fazer coincidir ou dissociar os dois conceitos.
* Quando você sentir que seu repertório de palavras se exaure e as suas reportagens usam um número limitado de palavras, está na hora de verificar se as suas leituras estão em dia.
* Não queira resolver todos os problemas da humanidade numa matéria só. Escolha apenas um deles.
* Você tem experiência, já viu muita coisa. O leitor, não. Procure comparar, dimensionar e confrontar os fatos. O leitor se situará muito melhor.
* Se você não pode dizer tudo, paciência, diga ao menos alguma coisa.
* Como acabou aquela história do outro dia ? Este é o melhor veio de assuntos.
* Repórter e fotógrafo trabalham juntos usando ferramentas diferentes. Significa que o material fotográfico e o texto devem estar enfocados e angulados na mesma direção. Isto evitará que na notícia do desastre o fotógrafo focalize apenas o sobrevivente, e o repórter, o acidente.
* Se você sabe todos os nomes e qualificações dos personagens de uma história que acompanha há dias, isto não significa que o leitor também saiba. Afinal, ele acompanha dezenas de histórias por dia. Por isto, trate cada informação como se fosse a primeira vez que ela aparece. Sempre há leitores chegando ao acaso neste instante.



* Quem disse que isenção é frieza ? O jornalista pode impregnar-se de emoção e, ao mesmo tempo, oferecer um balanço eqüidistante de um acontecimento.
* Se todos estão olhando para o céu, dê uma olhadinha para o chão. Certamente, você encontrará assuntos que os competidores estão descurando.
* Não se agarre a posições hierárquicas. Jornalismo é uma das poucas atividades em que a criatividade e a inquietação só fazem bem, sobretudo aos chefes.
* Se você se acha o melhor jornalista do país, meu caro, então está na hora de prová-lo.
* Participe, mas alheie-se. Só assim você terá dimensão e isenção.
* O jornalista nunca é pior que um dono de jornal. Um chefe faz uma equipe no seu nível e à sua imagem. Cuidado, pois, quando reclamar de seus comandados.
* A grande regalia do jornalista é poder dispensar as regalias.
* Use roupas que deixem você à vontade. Mas não tanto que incomodem o entrevistado.
* Se você gosta de aparecer deve tornar-se notícia. O bom jornalista trabalha nos bastidores, a função do repórter é buscar fatos. A do chefe, apresentar os fatos. Do diretor, desengajar-se dos fatos.
* Verifique se a opinião da sua mulher não se inseriu na sua matéria ou na atitude do seu jornal. O leitor-padrão-imaginário não dá opinião, ele é apenas um alvo para o qual se destina o processo.
* Parta para uma missão jornalística certo de que sua matéria irá para a primeira página. Se, ao contrário, você tem certeza de que o secretário não irá publicá-la, ela se encaminhará sozinha para a cesta de papéis.
* Para se fazer um bom jornal é preciso material para três. Jornalismo é depuração, síntese.
* Se você quer salvar um jornal, não mexa nele, melhore-o. Não dê sustos no leitor.
* Quem lê jornal não é jornalista.
* Procure fazer o melhor jornal que puder. Se você acha que já fez, está na hora de mudar. Aliás, alguém está pensando nisso.
* Quando o jornalista procura a fonte de notícias é legítimo. Quando esta procura o jornalista, desconfie.
* Quem faz uma cruzada ou uma campanha jornalística é o leitor. Você só notará quando estiver no auge dela.
* Há um quociente de humildade na profissão. A busca do poder, opulência e importância são antagônicos ao espírito jornalístico.
* Não tenha vergonha de pedir para soletrar um nome. Pior é sair publicado nome errado.
* Jornalismo é uma atitude otimista, aberta. Aquele que prejulga ou que se ressente previamente com a informação nunca vai encontrar boa informação. Não se briga com a notícia.
* Ainda que o horário do jornalista seja de 5 ou 8 horas, está em atividade mesmo quando a caminho da redação ou de volta para casa, quando vai ao cinema, assistir a um espetáculo, ou faz uma viagem de recreio.
* A melhor forma de compor um bom título é inventá-lo em voz alta. Melhor ainda é fazê-lo em conjunto com outros jornalistas.
* É certo que você se julgue insubstituível. Mas os outros também são.
* Jornalismo é empenho.
* Se um jornalista a seu lado começar a falar mal dos intelectuais, desconfie desse jornalista.
* Os leigos em geral adorariam ser jornalistas, desde que não precisassem ir à rua catar uma informação, escrevê-la rapidamente, trabalhar à noite, sábados, domingos e feriados.
* Se num grupo de pessoas aparecer um leitor, um assinante, um anunciante e um jornalista criticando seu jornal, é provável que alguma coisa esteja mesmo mal com ele.
* O jornal é um veículo urbano e o jornalista, um estudioso dos problemas da cidade. São a fonte primária de notícias. As transformações da vida urbana afetam diretamente a vida de um jornal. Várias disciplinas que compõem a ‘urbanologia’, a comunicação é uma das mais importantes.
* Uma foto publicada é um investimento em espaço e, portanto, em dinheiro. Foto que nada transmite ao leitor é um prejuízo.
* Tudo o que é difícil para ser composto é difícil para ser lido. Se um elemento gráfico não é funcional, ele é antifuncional. Não há meios-termos.
* Não tem importância o fato de que apenas 20% dos leitores de um jornal leiam os editoriais. Este pequeno contingente, no entanto, é o grupo que multiplicará a opinião para o resto da comunidade.
* Se você quer verificar se o seu jornal é realmente eclético e amplo, faça um gráfico das tendências dos seus colaboradores e articulistas regulares. Divida-os em três grupos (liberais, moderados e conservadores) e, depois, faça as contas.
* Todos os jornais e todos os jornalistas têm acesso às mesmas fontes e aos mesmos fatos. A única coisa que distingue um jornal do outro é a criatividade.
* Promoções e campanhas de publicidade só vingam em veículos sólidos. O melhor anúncio sobre um bom jornal ou revista será a qualidade do exemplar que chegar ao leitor.
* A proporcionalidade entra a quantidade de informações e a de anúncios pouco importa. Um jornal pode ter 60% ou , até, 70% de publicidade. Vale é o conteúdo da informação e a aura de independência que o veículo carrega. O público compreende e apóia um jornal com mais anúncios do que texto, quando percebe que esta é a forma de salvaguardá-lo das pressões.
* Se você quer uma boa referência para a edição de amanhã, veja com atenção a que você publicou hoje. Do desenho e a escolha dos assuntos da primeira página, ao conteúdo e angulação das notícias das páginas internas tudo tem que ser feito em função do que foi publicado hoje nas bancas.
* Se o organograma de uma redação começar a apresentar uma divisão muito nítida entre jornalistas executivos (que comandam) e jornalistas propriamente ditos (que escrevem ou editam), pode ficar certo que esta redação está se burocratizando. Por mais importante que seja a função ocupada pelo jornalista dentro da redação ele não pode deixar de escrever, editar, titular, trabalhar textos, periodicamente ao menos. Este convívio com o ato de escrever faz do jornalista, um jornalista.
* Comunicação é criatividade. Alguém diz alguma coisa quando tem algo novo para dizer.
* Mais vale ser um repórter feliz o resto da vida do que um executivo bem pago e infeliz. O grande jornal é aquele que consegue pagar a um grande repórter o mesmo que paga àquele que ocupa cargo de chefia.
* Gerir é orientar. No verbo gerir há uma noção de movimento. O gerente dever ordenar sem interromper. Numa empresa de comunicação isto significa que o administrador gere sem afetar o ritmo de trabalho. Se num campo de batalha os setores de apoio interrompessem o conflito para organizar as linhas de abastecimento, a própria guerra não faria sentido.
* A palavra que não evocar uma impressão, uma imagem, uma situação, um ruído, uma cor ou mesmo um cheiro, é vazia. Portanto não terá serventia para participar de um texto.
* Nenhum jornal bem escrito é decadente.
* Use palavras semanticamente definidas. Uma palavra de significado impreciso cria situações imprecisas.
* Palavras não se acham facilmente, muito menos as situações ou pensamentos que carregam. Por isto, não se envergonhe de tentar duas, três ou quatro vezes. a redação de um período.
* O número de palavras numa frase é de capital importância para a sua clareza e para manter o interesse do leitor.
* Leitores cultivados aceitam frases de, até 30 palavras. Leitores menos cultos se adaptam melhor a frases de 10. Nos dois casos, porém, o ritmo deve ser regular, a fim de evitar a monotonia.
* Se você acha que aquele período está longo demais, leia-o em voz alta. Se você perceber que está perdendo o fôlego é porque, por ali, está faltando um ponto. Aliás, ler em voz alta um texto sobre o qual se trabalha é útil: percebe-se mais facilmente a repetição de palavras, clareza etc. Só há o inconveniente do vizinho de banca achá-lo maluco ou inconveniente.
* Além da gramática existe a semântica e, agora, readbility isto é, o estudo da funcionalidade das frase. Tudo isto é muito bom desde que o jornalista tenha carinho pelas palavras.
* O amor ao pitoresco pode encobrir o desamor à verdade. Muito jornal e jornalista já se desmoralizaram porque faziam do engraçado, o móvel das suas matérias.
* Jornalismo sério não precisa ser jornalismo monográfico.
* Senhor Diretor: se mandou valorizar exageradamente uma notícia que não tem importância, no máximo está mal informado. Isto se corrige. Mas quando você diz que determinado acontecimento ou aquela pessoa não merecem entrar no noticiário do seu jornal ou revista, então, é o caso de verificar o que se passa em sua atormentada alma.
* E, agora, atenção: se você começou a explicar, na matéria, as dificuldades que teve para apurá-la é certo que está incomodando o leitor. Você é pago para contar os fatos, a despeito de todas as dificuldades e não para narrar os seus desconfortos. Cada profissão tem seus mistérios. Revelá-los a estranhos é tirar parte da mágica de cada métier”.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Algo além de cartas


A geada da noite anterior tocou e agraciou com um toque temperado os domínios de um dos bairros mais fustigados da periferia. Tudo branco, tudo muito leve, tudo muito belo, em contraste aos estragos provocados na saúde dos que vivem naquelas redondezas. Terminada a madrugada com o despontar dos primeiros raios de sol, os resquícios do frio, porém, continuavam a disseminar o pedido de calor daqueles que são corpos separados e incompletos por definição. Consciente do seu isolamento e da falta de algo melhor para fazer naquela tarde de feriado, Armando perambulou – encoberto pela sua manta predileta – por toda sua casa, esquecendo-se dos seus chinelos perto do sofá. A parte de baixo das suas meias já estava encardida devido ao contato com chão. Ligou a televisão e passeou com o controle remoto por todos os canais. Nada de interessante.



Dentro do cômodo que usava como escritório, sentou-se à escrivaninha e começou a ler uma revista. Entediado, parou e ligou o computador. Internet é uma maravilha nestas horas, pensou. Entrou num chat. Não gostou de ninguém. Aliás, Armando nunca gostou de ninguém, no sentido homem-mulher da expressão. “Nunca amei ninguém, realmente. Apenas tive lapsos mentais, a popular paixão. Felizmente, eu me recuperei de todos eles”, costumava dizer.


Colocou as capas plásticas no CPU, no monitor e no teclado, para depois retomar a revista e ir para a sala. Tédio era a melhor tradução dos seus sentimentos. Seus dedos tatearam as folhas da publicação, enquanto jazia no sofá com a televisão ligada na MTV. Não se interessou por matéria alguma em particular. Os videoclipes, repetidos ao extremo, nem chegavam a construir uma trilha sonora para aquele cenário embebido de silêncio humano. Dance, techno e porcarias de FM: lixo cultural. Tudo música ligeira, de acordo com a conceituação de indústria cultural do alemão Theodor W. Adorno. O tilintar das folhas da revista produzido por Armando era mais barulhento e precioso que os barulhos vindos do aparelho televisivo.


Seus olhos percorreram as páginas e pousaram na parte de cartas de leitores. Ele imaginou a fauna que deveria mandar cartas para aquela publicação e sorriu levemente, achando engraçado. Evitou cair no sono preguiçoso de fim de feriado ao ler mensagens do tipo: “Sou rebelde, adoro Megadeth e o verdadeiro death metal. Caçadoras de cabeludos não me escrevam. Quero me corresponder como pessoas realmente conscientes.”





Armando tocava guitarra desde os 14 anos. Sua mãe, como era de praxe, proibiu-o de seguir a carreira de músico. Manteve os cabelos longos e a banda de “rock esquisito”, porque ninguém conseguia conceituar o tipo de música composta pelos seus integrantes. Desde aquela época, tinha o costume de comprar aquela revista. “Não criei filho para ser músico”, dizia sua mãe que aproveitava a oportunidade para cobrá-lo quanto aos estudos para os exames vestibulares.
Mesmo com uma guitarra mediana, uma caixa amplificadora simples e um pedalzinho de distorção, continuou a aprender as técnicas do instrumento, com vídeo-aulas e revistas importadas. Ele amava aquilo e deixava seus sentimentos transparecerem silenciosamente, por meio dos seus cabelos longos, que chegavam até o meio das costas. Passou nos exames e, com muito custo, teve sua cabeleira depenada.


Formou-se bacharel em Direito com todos os méritos, totalmente metamorfoseado. Não era Gregor Samsa, de Franz Kafka, convertido em barata, mas, com certeza, era outro. Cabelos cortados rentes, olhar espartano e intimidante. Quase nada daquele rapaz restou. Aos 22 anos, passou no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), logo em seguida da colação de grau, já era reconhecido como um dos maiores especialistas em direito relacionado a internet. Mais um ano e já tinha seu escritório montado, prestando serviços e consultoria para empresas multinacionais e o próprio governo. Apesar de tudo silencioso, on-line, como sua vida, precisava do seu espaço. Daí, decidiu construir uma casa, adjunta ao seu escritório. Só sua e de ninguém mais. O silêncio lhe era precioso, principalmente nas noites de insônia. Sono leve e cabeça dura: combinação infernal. Muito para os seus apenas 24 anos.


Uma mensagem em particular chamou-lhe a atenção: “Tenho 23 anos e estou terminando a faculdade de biologia. Gosto de rock em geral. Sou de poucos amigos e queria conhecer alguém especial. Michelline.” Armando parou naquela página e imaginou mil coisas. Pensou quem deveria ser aquela moça que, misteriosamente, precisava conhecer alguém por meio de cartas. Enfim, resolveu escrever-lhe, só para ver no que dava. Mesmo morando na mesma cidade, achava que os dois nunca iam se encontrar, de qualquer maneira.


Passada uma semana, veio a resposta. Michelline tinha adorado sua carta. “Nunca me correspondi com alguém que escrevesse tão bem. Eu reparo nisso, sabe ?” Gostavam basicamente das mesmas coisas, dos mesmos conjuntos. O falatório das bandas de rock dos anos 80 prevalecia, inicialmente. Armando gostou de se corresponder com ela e pediu o seu endereço eletrônico (e-mail) para se sentir mais seguro no seu reinado eletrônico. Mas recebeu uma recusa. “As cartas são mais nostálgicas, retratam a pureza e a beleza de um passado distante nos dias de hoje”, respondeu Michelline.


Os novos CDs e shows eram a pauta fundamental da comunicação, no início do relacionamento. Aos poucos, foram se soltando e revelando pequenos aspectos de suas tolhidas personalidades. Depois de seis meses de correspondência, Michelline confessou-lhe que escrevia porque se sentia totalmente só. Escrever era uma maneira particular de ocupar-se e tentar contato com alguém, “como um abraço quente e envolvente, numa noite de luar cúmplice”. Armando também passou para as cartas seus segredos. Narrou-lhe em detalhes, seus sonhos, suas fantasias e seus medos. Nunca se abriu dessa maneira. Com ela, ao contrário das relações com as outras pessoas no cotidiano, agia com tamanha espontaneidade porque começava a sentir algo que não sabia ainda definir bem ao certo o que era.


Depois de um ano, eram mais que correspondentes, embora nunca se tivessem visto ou tocado. “Você é o meu melhor amigo”, revelou Michelline no papel. “Você também é a minha melhor amiga”, respondeu.


Michelline já era bióloga e trabalhava no zoológico local. Armando evitava passar naquele local. Temiam maiores contatos que não fossem os escritos. As cartas continuaram, sempre. Ela mudou-se para uma casinha perto da dele. Mesmo assim, não arriscavam uma visita.


Um ano depois, Michelline ficou dois meses sem escrever. Foi aos Estados Unidos para um curso especial em educação ambiental no Roger Williams Park Zoo, na cidade de Providence, Estados Unidos. Cometeu um erro, esqueceu de avisar Armando. Apesar de as respostas não chegarem, insistia em continuar mandando cartas.


Chegou a um limite extremo. De posse do endereço da moça, foi à casa dela. Tocou a campainha repetidas vezes, por dez minutos. Só o silêncio respondia. Trepou no portão e pulou. Bateu à porta, sem resultados. Tirou um pedaço de papel do bolso e escreveu um bilhete: “Você se esqueceu de mim. Será que tudo o que passamos não valeu a pena ?”


Uma semana depois, voltou. Leu o bilhete. Nem desfez as malas e lhe deu o retorno. “Desculpe-me. Esqueci-me completamente de contar-lhe a respeito do curso nos EUA. Prometo que nunca vai acontecer novamente.”


Naquele período sem receber as cartas, Armando percebeu que não podia ficar sem as palavras dela. Aos 28 anos, continuava vivendo só com sua presença numa casa de cinco cômodos, grande demais para ele. Num deles, montou um estúdio, com bateria, amplificadores, mesas-de-som e tudo o que era necessário para gravar de demo-tapes (fitas-demonstração) a compact discs (CDs). Programava os instrumentos, compunha algo na guitarra e deixava gravado.


Recebeu a carta de Michelline e não dormiu. Demorou horas para escrever um texto. Ao final da carta, deu-se conta da plenitude de seus sentimentos e lhe segredou: “Michelline, eu te amo.” “Armando, também te amo. Nunca mais deixarei de te escrever”, veio a resposta.


Embora tivessem tudo a favor para serem felizes, não tinham coragem de enfrentar um a presença do outro. Amaram-se na escolha das palavras, especiais para cada ocasião, na construção das frases, orações e períodos. A felicidade do casal era materializada naquela forma particular de amar.


Armando tinha 30 anos quando Michelline lhe escreveu que tinha se casado no sábado. Era Ricardo, um namorado dos tempos de colegial. “Eu sempre gostei dele. É o homem da minha vida”, justificou-se a moça. Um estilhaço arremeteu os sentidos de Armando junto ao mármore da sua casa. Congelou-se por dentro como se uma lança de gelo atravessasse seu corpo, num gesto de derrota total perante a única esperança de continuar a viver. Levantou-se e se recompôs. Não ia desistir de tudo o que tinha feito até então por causa disso.



A correspondência continuou, mais fria, mas constante. O foco existencial de Armando recaiu com forças redobradas nas suas atividades profissionais. Seu escritório crescia e seu nome, reconhecido, era freqüente nas publicações de negócios. Um ano depois, nasceu o primeiro filho de Michelline. Sem ninguém da família, incluindo o marido, entender deu-lhe o nome de Armando, “Armandinho”. Armando, na quietude de seu estúdio recheado de memorandos e resultados com ações da sua empresa nas bolsas de valores de todo o mundo, abriu uma garrafa de champanhe e comemorou o nascimento como se fosse seu próprio filho. Veio o convite para o batismo, via correio. Quase foi, desistiu de última hora, porque iria inaugurar mais uma filial, desta vez em Manhattan.


Dois anos depois de Armandinho, veio Sandra. Novo convite, outra desistência. Michelline entendeu a reação do correspondente. As cartas continuaram por semanas, meses, anos e mais três décadas. A Internet estava consolidada, mas eles preferiam o papel, sem invasões de privacidade por hackers. Armandinho já era médico e Sandra, jornalista. O advogado sempre esperou por ela. Com 60 anos, Armando soube pela carta de Michelline que Ricardo tinha morrido de enfarte. Ele já estava consolado com sua situação.


Mais dois anos e Michelline se recuperou da dor. Lembrou-se do amor por Armando e arrependeu-se do tempo perdido. Em uma das cartas semanais, que se estendiam por 40 anos, ela marcou um encontro. Armando hesitou, mas acabou aceitando. O encontro seria na praça central, cujas marcas da velhice podiam ser sentidas no abandono e quantidade de menores sujos e largados.


Armando tinha um CD (ultrapassado por causa dos mini-discs), antigo e raro, do Van Halen, que ia dar para Michelline. Tinha a música “When it´s love”, um clássico. Na praça, eles caminharam passo a passo na direção do outro. Ficaram a 30 centímetros de distância. Não trocaram palavras, nem um simples abraço ou expressão de emoção. Os olhos se fixaram, cada par na figura do ser amado. O tempo parou. Um sorriso calado brotou de suas bocas velhas e enrugadas. Compreendiam a plenitude do que sentiam um pelo outro. Deram-se as costas e voltaram cada um para sua casa. Decidiram que o amor deles continuaria mais puro e real se continuasse daquela maneira, praticada por 32 anos. Armando enviou o presente pelo correio. E Michelline mandou um CD do Kiss como sinal de agradecimento, junto a uma carta cujo final era: “É melhor desse jeito. Eu te amo, escreva-me logo. Estou esperando.” E continuaram se amando, dessa forma peculiar, pois descobriram que, assim, seu amor nunca se acabaria, por permanecer imaculado e singular.