sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Um Fantástico Mundo Novo

Cisnes moribundos e asas quebradas. Testemunho o sofrimento das aves em circunstâncias bizarras e me surge um sentimento que mescla, pari passu, o horror e a curiosidade. Pergunto a mim mesmo: - Meu Deus, o que fiz para estar aqui? - Neste lugar, a beleza não é necessária, nem mesmo como elemento acessório das ilusões que permeiam as fantasias dos sonhos de esperança de alcançar uma vida melhor, física e metafisicamente. Estou aqui, isolado, sem meu amor e sem minha vida. Presenciei de tudo um pouco durante minha existência terrestre, mas nunca vi algo como este lugar. Suplico, do fundo das entranhas, que a deusa do amor - por piedade - me leve de volta para casa. Não suporto mais ficar neste recinto.

Nesta casa selvagem, de culto à dor, que não tem sentido algum, os seres são transformados em criaturas sem vontade própria ou desejo de agirem por si mesmos. De unidades orgânicas, individuais e autônomas, somos convertidos em máquinas de carne e aço inoxidável, com microchipes implantados - sem anestesia - em nossos sistemas nervosos, para que nos lembremos eternamente do sofrimento a que seríamos submetidos se desafiássemos a ordem deste fantástico novo mundo.

Agora, somos unidades teleológicas, com apenas um fim: servir e obedecer as regras deste mundo. O que ainda me resta de mim mesmo reza para que tudo isso não seja real, apenas o fruto de um pesadelo cruel. Minha mente foi isolada, silenciada e imbecilizada para fazer sentido somente em estado de massa. Neste emaranhado de sensações, para aderirmos à perfeição da coletividade, vendemos nossas almas, para suportarmos a idéia de tudo mais está perdido. Aqui, dragões são reis e as rainhas beiram à morte. E tudo isso é muito diferente daquilo que eu tinha planejado anteriormente. Onde está minha salvação, agora?

Nesta colônia tecnológica e perfeita, perdi minha vida e meus sonhos. Meus ossos foram arrancados da minha carne. O governantes, indiferentes com relação à violação dos nossos corpos e integridade moral, vangloriam-se com a edificação de um sistema perfeito, para ordenar este fantástico mundo que se inicia. O controle sobre as vontades é geral, portanto, as questões pessoais são suprimidas para dar vazão às determinações do Estado e da coletividade. Tipo bastardo de governo, esta tirania, que condena seus cidadãos, desde a concepção original, à maldição.

Consegui encontrar uma brecha no ordenamento social. Puramente pelo acaso, sofri uma descarga elétrica na cabeça, por um agente do órgão de repressão do Estado, por não estar devidamente na fila, quando fui prestar o depoimento semanal das minhas atividades aos assessores dos governantes. Foi durante a saída que um cassetete cromado, em trajetória descendente, me acertou e provocou faíscas ao contato com meu crânio. Caso ocorresse no início do processo, eu seria fatalmente reprogramado após o interrogatório. Uma falha do sistema bastou para recuperar meu eu, novamente. Desmaiei e acordei confuso. Senti-me senhor de mim mesmo, como antigamente.

Ainda meio alheio, dei um largo passeio por este fantástico mundo novo, observei tudo e me dei conta da violência que tinha sofrido. Os monitores logo descobriram minha falha de programação e passaram a me perseguir. Construí um esconderijo e procurei informações sobre o passado, me enfocando particularmente na música. No começo do século XXI, a música foi enquadrada pelos governantes como crime social, por acreditarem que possuía teor altamente subversivo, sendo assim altamente perigosa para a existência e manutenção da coletividade.

Depois de pesquisar muito, sempre escondido, me desloquei a um sítio arqueológico. No luar da madrugada, encontrei revistas de música e equipamentos. Coloquei o que pude na minha célula de transporte. Hoje, consigo decifrar o idioma arcaico das publicações e ensaio os primeiros acordes e solos naquilo que descobri ser uma guitarra. Uma banda de rock, Iron Maiden, já havia previsto o desastre que instituiu esta tirania coletivista que deturpa aos extremos os ideais de igualdade. Este é o começo da resistência, que colocará um fim neste fantástico novo mundo, e a música será sua maior e mais eficaz arma, para despertar os corações congelados pela apatia. Agora, só falta encontrar outras pessoas, recrutá-las e montar uma banda.


* Este conto foi baseado na música "Brave New World", do CD "Brave New World", do conjunto britânico Iron Maiden.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Credo do Samurai

Eu não tenho pais, faço do céu e da terra meus pais.
Eu não tenho casa, faço do mundo minha casa.
Eu não tenho poder divino, faço da honestidade meu poder divino.
Eu não tenho pretensões, faço da minha disciplina minha pretensão.
Eu não tenho poderes mágicos, faço da personalidade meus poderes mágicos.
Eu não tenho vida ou morte, faço das duas uma, tenho vida e morte.
Eu não tenho visão, faço da luz do trovão a minha visão.
Eu não tenho audição, faço da sensibilidade meus ouvidos.
Eu não tenho língua, faço da prontidão minha língua.
Eu não tenho leis, faço da autodefesa minha lei.
Eu não tenho estratégia, faço do direito de matar e do direito de salvar vidas minha estratégia.
Eu não tenho projetos, faço do apego às oportunidades meus projetos.
Eu não tenho princípios, faço da adaptação a todas as circunstâncias meu princípio.
Eu não tenho táticas, faço da escassez e da abundância minha tática.
Eu não tenho talentos, faço da minha imaginação meus talentos.
Eu não tenho amigos, faço da minha mente minha única amiga.
Eu não tenho inimigos, faço do descuido meu inimigo.
Eu não tenho armadura, faço da benevolência minha armadura.
Eu não tenho castelo, faço do caráter meu castelo.
Eu não tenho espada, faço da perseverança minha espada.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Emaranhado da vida

Emaranhado da vida



Meu corpo parece ser acometido de espasmos, tal como os lapsos cerebrais que circundam este ser como uma tormenta sem proporções. O emaranhado de fantasias não nos deixa mais realizar o que pensávamos ser possível. Sonhar tornou-se verbo intransitivo, quase impossível para dar vazão ao futuro. Estamos todos cercados pelos efeitos do destino, um destino que não deixa nada além de marcas e rusgas nas nossas faces castigadas pelo tempo.
Viver é um longo pesar que devemos suportar ao longo de toda existência. Parece um pleonasmo redundante. Contudo, morrer é fácil. Viver é difícil. Mas nem por isso quer dizer devemos perder as esperanças e nos render perante as agruras do acaso. Como conseguiremos vigiar nossas atitudes sem que nos apeteçamos de novo?
Existe algo mais sincero que viver? Mesmo que a vida seja uma ilusão, uma quimera sem sentido? Nada parece ter mais significado. A animalidade tomou conta das nossas almas. Somos todos animais, mais toscos, porém, que aqueles que consideramos irracionais. Inventamos formas sofisticadas de obtermos prazer, dor e satisfação, em geral.
Temos a habilidade de nos tornarmos mais desprezíveis por ignorarmos a linguagem moral que criamos para disciplinar nossas relações. A linguagem moral é algo natimorto, para apenas delimitar as fronteiras do farisaísmo.
Falamos uma coisa e praticamos outra coisa totalmente diversa. Eis a grande obra da humanidade: o exercício da hipocrisia. Vivemos para saciarmos nossos instintos. E só isso. Por isso, inventamos trabalho, capital, produção, serviços e, mais uma vez, convenções hipócritas de relações pseudo-cordiais.
Há sentido em viver desse jeito? A animalidade predomina e a linguagem moral se esconde debaixo das práticas nefastas de prazer absoluto e a qualquer preço.
Esta é a vida. E assim ela continuará.

terça-feira, 26 de agosto de 2008


Somos todos brasileiros

WILSON TADAO KINOSHITA
ROGER MOKO YABIKU

Temos olhos puxados, meio fechados ou abertos, conforme o grau de miscigenação com as demais raças desta terra. E somos brasileiros natos ou naturalizados, por força da Constituição da República Federativa do Brasil. É o que nós, nipo-brasileiros, somos, apesar de algumas pessoas – parte da “intelectualidade”, inclusive – nos considerarem estrangeiros.
Somos frutos de uma mistura de suor, sangue e etnias. A maioria dos associados da União Cultural e Esportiva Nipo-Brasileira de Sorocaba (Ucens) é de brasileiros descendentes de japoneses. Contudo, qualquer pessoa, independentemente de cor, credo, ideologia ou religião pode associar-se. Não fazemos essa distinção racial mesquinha, como alguns fazem conosco.
O “Kasato Maru” foi o primeiro “navio negreiro” contemporâneo. Trouxe trabalhadores substitutos dos escravos que fugiam da miséria, na esperança de enriquecerem nas lavouras paulistas, para retornarem ao Japão. Mas esse sonho não se realizou. Foram atraiçoados pela servidão sofisticada dos fazendeiros de café. Por outro lado, seus filhos aqui nasceram, fincaram raízes e deram continuidade às suas famílias.
Em Sorocaba (SP), o símbolo desta luta e da integração é o Parque “Kasato Maru”, no Parque Campolim. Justa homenagem às pessoas que vieram para cá só com a roupa do corpo e, nem por isso, perderam a compostura.
Também devemos nos lembrar dos brasileiros que estão no exterior a trabalho. Cremos que, no momento certo, esses compatriotas – nossos irmãos, tios, sobrinhos, primos, entre outros – serão homenageados nas nações em que passarem. Esperamos que, um dia, retornem para o nosso País, o Brasil.
Afinal, mesmo que alguns não gostem e nos chamem de “japas”, somos todos brasileiros.

WILSON TADAO KINOSHITA, engenheiro civil e empresário, é presidente da Ucens.
ROGER MOKO YABIKU, jornalista, advogado e mestre em Filosofia Ética, é vice-diretor de Relações Públicas da Ucens. e-mail: ryabiku@terra.com.br

Salvar o mundo?

Perguntam-me freqüentemente se ainda não parei de tentar salvar o mundo. Nunca pensei nisso, apenas em fazer a coisa certa. Agir corretamente de acordo os ditames da razão e da minha consciência. Isso é ser homem reto? Não sei. O que sei, certamente, é que isso causa uma reviravolta no estômago de muita gente. Ter vergonha na cara, nestes tempos, é um soco no estômago de quem nunca teve, ou já a perdeu há muito e não sente falta disso.
Não há como se falar de vergonha na cara para quem nunca teve vergonha na cara. Como dizer o que sinto, o que não sinto? A perda da compostura parece algo inevitável nestes dias. Não quero salvar o mundo porque o mundo não quer ser salvo. Isso é fato.